Grávidas que trabalham à noite têm mais complicações na gestação

Turno noturno provoca alterações hormonais e impactos à saúde e à família da mulher

Sono escasso influencia na qualidade de vida de mulheres - Foto: Reprodução

Estudo sobre impactos do trabalho noturno revela que grávidas que trocam o dia pela noite apresentam maior risco de irregularidades, como aborto ou aumento do risco de hemorragia. A pesquisa também constata que o turno noturno aliado a cuidados domésticos – a dupla jornada de trabalho – piora o quadro de sono e qualidade de vida das mulheres.

Pesquisadores da USP investigaram como o trabalho durante a madrugada influencia a saúde física e mental de mulheres grávidas e mães, e se estende até as possíveis consequências aos seus filhos. O estudo, que teve fez a base em um hospital de São Paulo (SP), acompanhou profissionais de enfermagem em turnos diurnos e noturnos.

Entre as três participantes grávidas que trabalhavam à noite, duas apresentaram irregularidades. Com as profissionais diurnas, nada aconteceu. O valor de Apgard, que mede sinais vitais entre 1 e 5 minutos após o nascimento, foi menor entre os bebês de quem faz o turno noturno. 

Patricia Andrade Nehme, que fez sua tese de doutorado na Faculdade de Saúde Pública (FSP-USP), a considera importante pelos possíveis distúrbios que podem aparecer em longo prazo, como doenças cardiovasculares, diabetes, hipertensão e obesidade.

“Há um aumento de doenças crônicas e isso pode ser potencializado por trabalho em horários não regulares. O impacto por causa da inversão dos horários é tão grande que precisa ser estudado”, explica.

A pesquisadora conta que o objetivo central é encontrar maneiras de diminuir os problemas a curto prazo que poderiam surgir. A principal conclusão é simples: gestantes não devem trabalhar à noite, devido aos impactos maximizados na gravidez.

O número pequeno de pessoas que entraram na pesquisa pode ser considerado quase um “estudo de caso”, define Andrade. Mas isso não exclui as descobertas regulares que encontraram, que se alinham com outras pesquisas sobre o tema. 

Mudanças hormonais

As mulheres que trabalham à noite têm alterações significativas em sua rotina e qualidade de vida. Possuem horários irregulares, dormem menos e adormecem muito mais rápido por conta do débito de sono.

A maior evidência foi a alteração nos níveis de melatonina, o “hormônio do sono”, substância que induz o corpo ao sono e o prepara para dormir. A melatonina também está relacionada com o relógio biológico, que determina as horas ideais do dia para descansar, acordar e ser produtivo. O organismo humano é naturalmente diurno – então espera que, à noite, a exposição à luz diminua, porque entende que é momento de dormir e liberar mais melatonina.

“Quando isso não acontece durante a noite, a produção de melatonina não ocorre, o que impacta o metabolismo e a saúde de trabalhadoras noturnas”, explica. 

“Sono do dia nunca é como o da noite. Enquanto dormimos, existe a liberação de hormônios importantes que só acontece no período noturno”, exemplifica a pesquisadora. 

E em gestantes, as complicações de mudanças hormonais geram mais preocupação. Para Patricia, não deveriam trabalhar à noite pelo impacto na saúde da mulher, que influenciaria a saúde do filho. 

“Já se sabe dessas repercussões na saúde, existem países que impedem. Precisamos de um olhar mais cuidadoso em relação às gestantes”, diz. Vale lembrar que a Reforma Trabalhista, sancionada em 2017, permitia que mulheres grávidas trabalhassem em condições insalubres. Apenas em 2019 o Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu a regra.

Redução de danos

Patricia, que é nutricionista, examinou a alimentação das mulheres que acompanhou e de seus filhos. Ela destaca a importância de uma dieta leve à noite para melhorar a saúde, o que também se relaciona com o relógio biológico. 

A ingestão de comidas mais leves é indicada porque a digestão durante a noite não acontece como no dia. O corpo está no modo de descanso, e comer uma grande quantidade de alimentos pode ocasionar problemas digestivos mais severos. 

 “É ideal levar comida de casa, uma sopa, uma salada, ou tomar um copo de leite, mingau de aveia no intervalo. Refeições leves regulam o ritmo biológico”, indica. Café e alimentos gordurosos não seriam proibidos, mas dificultam para dormir e a digestão. 

As implicações à saúde não são apenas físicas. A nutricionista enxerga a questão social como fator de grande importância para a pesquisa. A exaustão é comum a quem trabalha à noite, mas ela destaca funções que carregam como mulheres. “O dia tem o caráter social: ela se priva de dormir porque tem que cuidar da casa, dos filhos, que acarreta um débito de sono ainda maior”. 

E para a pesquisadora, medidas de redução de danos devem envolver esse fator: ela cita o compartilhamento de tarefas por parte do companheiro, por exemplo. “Mas, na sociedade em que vivemos, é difícil”.

Seja o primeiro a comentar

Faça um comentário

Seu e-mail não será divulgado.


*