“A proposta de reforma da previdência não tem a intenção de equacionar o sistema, diferentemente do que retrata o governo Bolsonaro. Como falar em financiamento e sanear o sistema de repartição se há uma retirada contínua de recursos que, pela Constituição, deveriam ir para a seguridade social?”, questiona Jorge Félix. O especialista em Economia da Longevidade e docente de Gerontologia da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) afirma que há um processo de desconstrução do sistema público que empurra as novas gerações para o sistema de previdência privado. Isso começou em 1995, quando o Governo Fernando Henrique Cardoso modificou o artigo 95 da Constituição para desvincular as receitas da União, permitindo que 40% das arrecadações para contribuições sociais (como a CSLL e a Cofins) fossem destinadas para outras áreas, como o pagamento de dívidas.
Outra atitude paradoxal decorre da falta de iniciativa em repensar o sistema a partir das categorias que são mais responsáveis pelo déficit, como os militares e a elite do funcionalismo público. “Na realidade, a Previdência surgiu no mundo acentuando a desigualdade, porque surge exatamente para a Marinha Francesa. Lá não havia, e não existe até hoje, um serviço militar obrigatório, então era preciso recompensar quem ia para a guerra”, acrescenta Félix. Com o passar do tempo, cada categoria de trabalhador foi conquistando o seu direito de previdência, mas a diferenciação dos militares e outras carreiras de Estado se manteve.
“O Brasil precisa se questionar se num país tão desigual, com tanta pobreza, a sociedade ainda está disposta a manter o nível de forças armadas que nós temos. O custo disso é prioritário?”, pondera Félix, e avança: “Quanto nós estamos dispostos a gastar com o item militares? Isso inclui o investimento em armamento, defesa nacional e a questão da previdência”. Para ele, o crescimento e o desenvolvimento econômico dependem de uma série de fatores que, por ideologia, o governo abandonou. Como exemplo, cita a retomada da industrialização, que depende de pesquisa e conhecimento, e o fomento a programas sociais para formar um mercado consumidor interno.
Félix considera que o País erra ao confinar toda a discussão do envelhecimento populacional na previdência que, por sua vez, só é discutida em âmbito fiscalista: “É só nas tabelas de Excel. Então você esquece a sociedade, a histórias, as relações… apaga tudo, principalmente o significado disso”. Ele aponta que o envelhecimento da população se relaciona com uma necessidade de maior solidariedade de pacto intergeracional em rede e com um sistema individualista, como a previdência privada, há uma quebra nessa solidariedade.
Tal visão é compartilhada por Rosa Chubaci, coordenadora da graduação em Gerontologia da EACH e especialista na promoção de saúde e prevenção no envelhecimento, pois “não adianta discutir previdência se não houver respeito com os idosos, um relacionamento de gerações diferentes”. A proposta pode fazer com que as pessoas pensem um pouco mais na sua velhice, já que vão se aposentar mais tarde, mas isso não é suficiente. “É preciso se planejar. Esse planejamento inclui questões financeiras, mas envolve pensar em atividades a fazer depois da aposentadoria e se distanciar do monótono”, pontua.
Chubaci acredita que o Brasil está caminhando para pensar o envelhecimento de maneira mais ampla, tanto que há políticas públicas interessantes em São Paulo que promovem esse cuidado ao idoso. “Só que não é igualitário no País todo, as políticas entre governo municipal, estadual e federal não se conversam. Precisaria ter uma política única para todos os locais”, afirma.
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