Registro dos ventos nas Maldivas explica fenômenos climáticos

Como base de pesquisa internacional, o país contou com análises de sedimentos oriundas da ação eólica feitas por pesquisadores no Instituto Oceanográfico da USP

Homem pratica windsurf, que necessita de ventos, nas Maldivas. Imagem: Pixabay.

Existe um programa internacional que reúne um grande banco de sedimentos marinhos e que pesquisadores brasileiros podem requisitar seu uso. Foi o que fez Igor Gustavo da Fonseca Carrasqueira, mestre pelo Instituto Oceanográfico (IO) da USP, que em 2018 defendeu sua dissertação “500 mil anos de evolução climática no continente Indiano-Asiático: um registro eólico das Maldivas”. 

“Trabalhei com um registro de 20 metros dos sedimentos enviados pelo IODP. Levei em conta informações cíclicas como os períodos glaciais e interglaciais, que me permitiu definir um período de 500 mil anos para este registro.”

As Maldivas foram objeto de estudo pela agência International Ocean Discovery Program (IODP), que perfuraram o mar do país em vários pontos, retirando cerca de um quilômetro de sedimentos cada um. Envolvendo países como EUA, Japão e a União Europeia, o Brasil entrou no programa há alguns anos com a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), dando chance de pesquisadores fazerem solicitação de materiais ao IODP.

No estudo feito por Igor, foi possível observar que as Maldivas vêm recebendo elementos de partículas principalmente da Índia e até de lugares mais distantes, como a China. Imagens de satélites recentes ainda mostraram que o conjunto de ilhas recebe maiores aportes de poeiras durante o inverno do hemisfério norte.

Nuvem carregada sob o mar das Maldivas que preserva sua cor azulada. Imagem: Pixabay.

Escolha das Maldivas

“O que tem de especial nas Maldivas é o fato de lá ser uma região do Mar das Arábias que não recebe sedimentos continentais como ferro, potássio, silício e alumínio, transportados pelos rios”, explica Carrasqueira. Outras localidades recebem uma mistura de sedimentos transportados por diversas fontes, tornando difícil determinar a origem destes de forma precisa. “Por isso a região das Maldivas foi escolhida, porque ela recebe exclusivamente sedimentos continentais transportados pelos ventos.”

Outro ponto interessante é que lá é uma plataforma carbonática. Isto é, ela é toda localizada em cima de organismos vivos. Nos estudos também foram tratadas as variações do nível do mar. 

E eles aproveitaram a dinâmica recifal do país insular. “O recife vive em uma zona muito limitada. Se o nível do mar desce muito, ele morre, e se sobe muito, ele também morre. É um ecossistema muito frágil, que está sempre no limiar de onde tem nutriente e chega a luz.”

Segundo o pesquisador, durante o período máximo de eras glaciais a altura do mar ficava em torno de 100 metros abaixo do nível atual. Portanto, toda plataforma carbonática ficava exposta e vinha a morrer. “Conforme o nível do mar subia novamente, havia a recolonização com novos organismos.”

Recife de coral que será sedimento no futuro. Imagem: Pixabay.

Estudar o passado para entender o futuro

Quinhentos mil anos de análise permitem dizer que um período de dez mil anos atrás “foi ontem”. “Acabamos de sair de uma era glacial”, explica Igor de forma descontraída. Segundo ele, os ciclos glaciais acabam respondendo a ciclos solares, controlando a dinâmica da vida na Terra.

“O interessante, é que nosso estudo indica que a resposta do continente fica adiantada em relação a resposta do oceano. Durante uma glaciação, o sol envia menos luz para a terra, o continente fica mais seco e responde cinco mil anos antes que o nível do mar, que está diretamente relacionado à formação de gelo.”

Após cerca de um ano da defesa da sua dissertação, agora Igor quer trabalhar com aproximadamente 400 metros de sedimentos das Maldivas disponibilizados pelo programa internacional, algo em torno de 5 a 7 milhões de anos de registros de variação climática até hoje. “As monções são controladas pela inversão na direção dos ventos no decorrer das estações. A partir de agora, quero ver como se deu seu surgimento para entender como ela evoluiu e o que uma mudança no clima no futuro pode acarretar.”

Grandes nuvens se formam próximo a uma das ilhas maldívias. Imagem: Pixabay.

As monções são muito importantes para a agricultura de diversos países asiáticos, além de também levarem problemas. “Os estudos são uma forma de a gente tentar prever e colocar em modelos como que esses sistemas de monções responderão no futuro. É olhar o que aconteceu no passado, para entender melhor como esses sistemas respondem a variações climáticas”, conta.

“Muitas vezes temos que voltar ao passado para acharmos condições semelhantes que esperamos encontrar em um futuro próximo”, completa. 

Igor lembra que pesquisas na ciência de base são extremamente importantes para entender o que está acontecendo e tomar decisões de como as ciências aplicadas devem seguir no futuro. “Temos condições de fazermos trabalhos muito melhores do que fazemos hoje em dia. Não por uma questão de falta de capacidade humana, mas por falta de recursos. Também devemos e estamos a estudar mais a monção sul-americana e a região do Atlântico.”

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