A nanomedicina, apesar de parecer algo futurístico, já está presente em nosso dia a dia. Cosméticos e suplementos alimentares vendidos em mercados, por exemplo, já possuem em seus produtos a inclusão de nanomateriais, responsáveis, após digeridos, por liberar lentamente o fármaco no organismo. Aos poucos, essa área da medicina conquista espaços ainda maiores, e pode ser a solução para o tratamento mais eficaz do câncer, como indicou a tese de doutorado de Roberta Mansini Cardoso, do Instituto de Química da Universidade de São Paulo (IQ-USP).
O câncer é uma das cinco maiores causas de morte no mundo. A estimativa é de que, apenas em 2016, tenha havido mais de 200 mil óbitos decorrentes de neoplasia no Brasil, e, em 2018, cerca de 600 mil novos casos foram estimados no país. Além dos altos custos dos tratamentos para essa doença, muitos deles são carregados de efeitos colaterais ou possuem caráter apenas paliativo, ou seja, de atenuar temporariamente os malefícios do câncer, sem, de fato, dizimá-lo.
A pesquisa na área de nanomateriais voltados à cura do câncer, porém, pode levar a tratamentos mais acessíveis, eficientes e que causam menos efeitos colaterais em seus pacientes que os convencionais. “Buscamos melhorar a eficiência de fármacos já utilizados em tratamento de câncer, aumentando a letalidade das células doentes e diminuindo os efeitos colaterais esperados ao paciente”, explica Roberta Mansini. “Essa construção foi pensada utilizando outras moléculas biocompatíveis cujos reagentes não agregariam um valor considerável à produção da partícula final, tornando-a mais acessível em sua aplicação como terapêutico”.
O mecanismo da nanomedicina
A atuação como fármaco se dá pela modificação de nanopartículas de óxido de ferro com moléculas de diferentes propriedades, o que as torna multifuncionais. Isso permite o controle da seletividade de interação da partícula com células específicas, o direcionamento a um tecido-alvo e a modulação do grau de penetração nas células. Assim, a pesquisa construiu nanopartículas que, além de carregarem quimioterápicos conhecidos, incluem agentes “direcionadores” (agentes de targeting) para guiar esses terapêuticos ao tecido tumoral.
Resultados experimentais demonstraram que o quimioterápico utilizado no tratamento de alguns tipos de câncer, como o de mama e leucemia, chamado metotrexato, possui uma letalidade de células tumorais cerca de 10 vezes maior quando está ligado a uma nanopartícula. “Isso ocorre porque, nessa composição, seus mecanismos de interação são diferentes em comparação à molécula livre, podendo atingir a célula de maneira mais eficiente – e, portanto, sendo mais tóxica”, explica a pesquisadora.
Apesar de a produção dessas nanopartículas ser promissora no combate ao câncer, seu desenvolvimento ainda enfrenta obstáculos em protocolos e viabilidade. Para contornar esses problemas, a implantação de sistemas contínuos de produção, capazes de gerar sínteses economicamente viáveis, escalonáveis e de alta qualidade, baseados em reatores microfluídicos, poderia ser uma solução de acordo com a pesquisa. Tais sistemas, com canais de até 0,1 mm de espessura, facilitariam o controle das reações químicas, o controle do tamanho e da forma das nanopartículas e evitariam contaminações, por serem dispositivos fechados.
“Construímos um dispositivo microfluídico que suprisse as necessidades dessa rota sintética e verificamos que, além de tornar possível a modulação da quantidade de produto desejada, também era possível alterar as características do nanomaterial apenas modificando as condições de operação do dispositivo (temperatura do microreator e vazão de cada um dos reagentes), facilitando muito o controle da produção dos materiais”, constata Mansini. “Esses resultados abriram margem para muitas outras aplicações, como o acoplamento de um segundo dispositivo, responsável por modificar essas partículas com biomoléculas, conseguindo um produto com propriedades biológicas (e moduláveis) em um único fluxo de produção”.
A tendência é que a participação da nanomedicina na melhora da eficiência de tratamentos em uso atualmente ou como via para encontrar tratamentos para doenças que ainda não possuem um satisfatoriamente eficaz, apenas aumente. Com o interesse do setor privado, o tempo necessário para que os nanomateriais estejam presentes na sociedade é diminuído, e mais pesquisas podem aperfeiçoar a técnica.
Quanto à sua tese, a pesquisadora diz que alguns materiais descritos já são patenteados, enquanto novos estão a caminho. “Além de ensaios in vitro e in vivo, procuramos aumentar o leque da pesquisa para entender a versatilidade desses nanomateriais como carreadores teranósticos (união do diagnóstico por imagem e terapia), e trazer materiais de custo acessível à população, através de sua produção com reatores microfluídicos. Assim, prevemos que, em poucos anos, alguns materiais já estarão disponíveis como produtos”, conclui.
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