Treinamento domiciliar é alternativa a pacientes com insuficiência cardíaca

Tratamento alternativo, mais prático e barato, apresenta resultados animadores

Exercícios caseiros têm efeito positivo no combate à IC (Fonte: Marcos Santos/USP Imagens)

Em tempos de queda do índice de mortalidade e inversão da pirâmide demográfica, novas doenças ganham força e projetam-se como dignas de atenção pública. É o caso das disfunções relacionadas à insuficiência cardíaca (IC) que acomete pacientes com média de idade de 64 anos, conforme o 1º Registro Brasileiro de Insuficiência Cardíaca da Sociedade Brasileira de Cardiologia.

“Limitações na capacidade de exercícios mais simples, como ir ao supermercado ou ao banco, tornam-se impraticáveis desafios; ir a clínicas especializadas para o tratamento, então, podem ser longas jornadas, principalmente, para pacientes com menor poder aquisitivo. Muitos deixam de trabalhar. Em casos mais graves, alguns relatam dificuldades ao tomar banho e se vestir”, explica a pesquisadora do Departamento de Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional da Faculdade de Medicina (FOFITO) da USP, Geisa Nascimento de Andrade.

A pesquisadora aponta uma saída em sua tese de mestrado: o treinamento domiciliar. “A ideia de buscar o treinamento domiciliar como alternativa veio para tentar suprir a demanda de pacientes cardiopatas que se beneficiariam da reabilitação e não conseguem participar devido à falta de vagas e/ ou questões pessoais”. Segundo ela, estima-se que menos de 60% dos hospitais especializados em cardiologia da América Latina ofereçam treinamento supervisionado aos seus pacientes.

Mas, a professora atenta: “o objetivo era estudar se os dois treinamentos poderiam ser similares entre si com o advento das discussões de tratamentos alternativos —, não necessariamente apontar o domiciliar como superior ao supervisionado”.

Em seu estudo, Andrade analisou dois grupos: um submetido a treinamento supervisionado e outro, domiciliar, os quais, posteriormente foram examinados em relação a capacidade cardiopulmonar, força muscular, qualidade de vida e sedentarismo. A diferença principal entre os dois tipos de treinamento consiste na ausência de supervisão constante de um fisioterapeuta durante as atividades. Mas, ela garante: “a intensidade e frequência dos treinos são similares”, atenta.

Avaliação da força da força do músculo quadríceps (Fonte: Geisa Andrade/ Acervo Pessoal)

“O principal foi a percepção de que eles eram capazes de realizar atividade física, desde que adequadamente prescrita. Muitos achavam que deveriam ficar somente em repouso, e a inatividade física é muito prejudicial para estes pacientes, pois piora o quadro de dispneia e a fraqueza muscular por desuso. Alguns pacientes relataram que após os exercícios resistidos ficou mais fácil realizar atividades como amarrar o cadarço, vestir a calça, pentear o cabelo, atividades aparentemente simples nas quais muitas vezes ficam limitados”, comemora a cientista.

Gráfico aponta evolução positiva na força muscular em pacientes com tratamento domiciliar (Fonte: ANDRADE, GEISA: 2018)

O objetivo do estudo era investigar “a possibilidade de um protocolo de treinamento de baixo-custo e acessível para os pacientes que residem longe dos centros de reabilitação”, Como exemplo, Geisa cita alguns exercícios interessantes que fogem do treinamento aeróbio  seja por meio de esteira ou caminhada —, mais comumente indicado: “Após avaliação e liberação médica, recomendaria os seguintes exercícios (1 a 2 séries de 10 repetições):  flexão de cotovelo, extensão do joelho, flexão do quadril e fortalecimento da panturrilha (ficar nas pontas dos pés). Especialmente nestes pacientes é importante evitar a “manobra de valsava” (fazer o esforço para expirar com a via aérea fechada) durante o exercício, em vista das respostas hemodinâmicas e do sistema nervoso autônomo desencadeadas por esta manobra. O ideal é que o paciente realize os exercícios sincronizando com as respirações sem prendê-las”, explica.

Entretanto, ela salienta: “a recomendação atual mais comum para tratamento da insuficiência cardíaca é o controle medicamentoso e em alguns casos instalação de dispositivos cardíacos eletrônicos implantáveis”. Segundo ela, mesmo os exercícios sendo uma parte importante do tratamento (especialmente em pacientes estáveis), o treinamento domiciliar só é indicado com, no mínimo, 3 meses de treinamento supervisionado.

Geisa reafirma a atualidade da discussão, que irá tornar-se cada vez mais evidente com as novas configurações demográficas: “Devido à importância do tema e aumento do número de estudos sobre treinamento domiciliar em pacientes cardiopatas a Associação Americana de Cardiologia publicou este ano uma recomendação com os principais resultados, avanços e limitações deste tipo de treinamento dependendo do tipo de paciente”. E aponta para as dificuldades de implementação local de novos métodos: “Com o avanço tecnológico, alguns estudos no exterior têm focado no treinamento domiciliar com auxílio da telereabilitação, incluindo vídeo-aulas que os pacientes podem acompanhar de casa, mantendo a interação em grupo por meio de videoconferências, mas principalmente com tecnologias que permitam a monitorização da frequência cardíaca, medida importante para controle da intensidade do exercício, e também do eletrocardiograma, visando observar possíveis arritmias durante o treinamento. Em nosso estudo, visando adequar o treinamento à nossa realidade de um país em desenvolvimento, não foi possível utilizar tais tecnologias”.

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