A separação de escolas públicas e privadas está relacionada a desigualdades sociais, e, no Brasil, não podem ser pensadas fora da questão racial e da maneira como a sociedade é estruturada. A escola privada, nesse contexto, atribui o valor competitivo e um meio de alcance aos postos de poder. Foi o que Adriana Dantas, doutora em educação, concluiu em sua tese de doutorado na Faculdade de Educação da USP. Ao notar poucos estudos sobre escolas privadas na periferia, a pesquisadora buscou entender esses colégios como ferramentas de manutenção das desigualdades sociais e no recorte racial nas periferias da zona leste da cidade de São Paulo.
A pesquisa é uma continuação de sua dissertação de mestrado, em que havia estudado a heterogeneidade da periferia. Na tese de doutorado, Dantas utilizou como metodologia a técnica do geoprocessamento (uso de dados dentro do mapa) para pensar a expansão das escolas privadas em zonas periféricas. Assim, utilizou dados da Secretaria Municipal da Educação, como a data de fundação das escolas, no mapa da cidade de São Paulo, e pôde ver esse crescimento no tempo e espaço. As primeiras escolas privadas na zona leste estavam presentes desde o começo do século vinte, sendo o Colégio Santa Catarina o primeiro, em 1918.
As inquietações de Adriana vieram a partir dos dados devido ao caráter quantitativo do estudo. No começo do século, na República Velha, as escolas eram confessionais católicas. A periferia pressuposta, era aquela que cresceu muito depois da metade do século vinte, devido aos migrantes internos, vindos do nordeste e de maioria negra.
Colonialidade do poder
O conceito de colonialidade do poder, empregado na tese, é do sociólogo peruano Aníbal Quijano, e é um entendimento de que há um padrão de poder construído a partir do colonialismo. O conceito se desenvolve em dois eixos.
O primeiro é a criação de identidade, como “branco”, “preto”, “indígena” e “amarelo” (definições que até então não existiam – o teórico defende que começaram a ser construídas no século XV/XVI com a formação da América Latina). E o outro, uma divisão de trabalho por raça: à medida que o sistema capitalista mundial estava sendo formado e criando a Europa como centro do conhecimento e padrão hegemônico mundial.
A escola privada e católica possuía o sentido, para a pesquisadora Adriana Dantas, de preparar um grupo de pessoas que estaria no poder, ao mesmo tempo em que os escravizados estavam fora dessa escolarização e que chegar em determinados postos só seria possível mediante escolarização privada e católica.
Quando questionada sobre o porquê das escolas privadas, Adriana responde: “A escola privada representa um recorte social muito importante, que seria o financeiro. As pessoas que estão ali podem pagar e são essas escolas que promovem posições em lugares altamente competitivos na sociedade. É o meio que acessa as universidades públicas, mudando um pouco o quadro somente com a lei de cotas”.
A pesquisadora relaciona sua pesquisa aos questionamentos de Sergio Miceli, sociólogo brasileiro e estudante da elite eclesiástica, a respeito da separação da Igreja e do Estado no Brasil não ter sido dada como na Europa, mesmo depois de promulgada uma lei, segundo o desejo de manutenção da estrutura social.
A contribuição da pesquisa, finaliza Adriana Dantas, está associada aos estudos urbanos, a fim de pensar em uma periferia complexa e heterogênea com processos que não foram visibilizados, pensar nela de forma mais complexa e não a reduzir apenas a espaços da pobreza e espoliação. Também é necessário investigar como as escolas privadas cresceram na região leste, quem foram e são esses empreendedores, a fim de questionar a estrutura social a partir desse padrão de dominação que coloca a raça em questão nesse debate. “A separação social tem cor, e ainda é muito difícil associar cor, raça e pobreza nessas explicações sociais.”
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