Fortalecimento dos pés pode reduzir em 60% a incidência de lesões em corredores

Estudo aponta protocolo de exercícios “inovador” testado em mais de 100 corredores recreativos; aprenda algumas séries simples

Calçados adequados não são a única forma de prevenção de lesões para fundistas (Fonte: Marcos Santos/USP Imagens)

Baixo custo, versatilidade, conveniência, praticidade, liberdade, benefícios à saúde. São muitos os motivos que transformam a corrida no segundo esporte mais praticado no Brasil. Porém, responsável de levar milhões de brasileiros todos os dias às ruas, pistas ou esteiras, ela também pode ser a culpada pelos mais variados tipos de lesões, principalmente em membros inferiores de seus praticantes principiantes.

Para prevenir tantas contusões, muitos esportistas – até mesmo os amadores – realizam uma série de exercícios preventivos, fortalecendo principalmente os músculos das pernas, coxa e core (região central do corpo, abdômen), além de corrigir gestos e movimentos imperfeitos.

Entretanto, os pesquisadores departamento de Fonoaudiologia, Fisioterapia e Terapia Ocupacional (FOFITO) da Faculdade de Medicina da USP, Alessandra Matias e Ulisses Taddei, supervisionados pela professora Isabel Sacco, decidiram abordar aquele que mais sofre durante a corrida, mas que não recebe a devida atenção e prevenção: o pé. “O pé é o primeiro segmento do corpo que tem contato com o solo numa passada, ele será o primeiro absorvedor e distribuidor de impacto. A articulação do tornozelo tem papel vital na aterrissagem e na propulsão do corredor. Grandes alterações na biomecânica do tornozelo podem tornar o corredor mais suscetível a lesão”, alerta a pesquisadora.

O estudo foi desenvolvido a partir de um grupo de 120 corredores fundista saudáveis, com idades entre 18 e 55 anos, divididos em dois grupos aleatoriamente. O primeiro será submetido a um programa de exercícios para o fortalecimento do complexo tornozelo/pé e o segundo atuou como “controle”. Os primeiros resultados são fantásticos: “nossas conclusões preliminares indicam que o fortalecimento dos pés é efetivo para reduzir a incidência de lesões em 60% em comparação ao grupo controle, que só fez alongamentos, os quais comprovadamente não previnem lesões. O grupo treinou 3 vezes por semana, durante 8 semanas”.

“Nenhum profissional foca em exercícios de fortalecimento da musculatura dos pés, pois até hoje o foco foi a fisioterapia preventiva seguindo uma abordagem top-down: fortalecer tronco e quadril, para beneficiar pernas e tornozelo”, explica Alessandra.

A fisioterapeuta ainda completa, ressaltando o caráter inovador de sua pesquisa: “A difusão deste tipo de intervenção bottom-up [“de cima para baixo”], com o objetivo de fortalecer a musculatura do pé para obter benefícios nas estruturas adjacentes superiores, no caso pernas, coxas, joelho, quadril, é inovadora e muda o paradigma até hoje defendido e executado; nossa pesquisa foi original nesse sentido. Começou-se a discutir a importância do pé a apenas nos últimos 2, 3 anos”.

A cientista adverte para o fato de muitos corredores, até os mais experientes, associarem a proteção dos pés e tornozelos ao simples uso de calçados apropriados, o que relega o fortalecimento muscular a segundo plano: “infelizmente, muitos acham que o tênis pode corrigir seu gesto esportivo ou que um com mais amortecimento vá diminuir a sobrecarga na articulação e, assim, protegê-lo das lesões. Mas inúmeros estudos já mostraram que ainda não existe uma tecnologia milagrosa no calçado esportivo.

Ela, contudo, pondera que há “inúmeros fatores capazes de influenciar na ocorrência de lesão – uso de calçado inadequado, idade, prática de outros esportes, tipo de superfícies de treino, volume de treino – que vão além do fortalecimento da musculatura dos pés”. Além disso, pode-se destacar a atuação de lesões prévias, que aumentam as chances de contusão no mesmo local. Nesse cenário, o fortalecimento muscular consolida-se como essencial. Mas é categórica ao afirmar: “Todos precisam de fortalecimento, sem exceções”.

Alessandra reafirma a necessidade da prática desses procedimentos até para aqueles que praticam o esporte de maneira recreacional e garante que os exercícios podem ser praticados até pelos mais iniciantes para a prevenção das mais variadas lesões – não somente as que acometem o complexo tornozelo/pé e suas áreas periféricas. O fortalecimento dos pés e tornozelos podem evitar desde casos mais diretamente relacionados com os exercícios, como a fasceite plantear (inflamação de uma faixa espessa de tecido que liga o osso do calcanhar aos dedos), até dores no joelho, quadril, coxa e coluna – normalmente decorrente do excesso de repetições de um determinado movimento.

Esses exercícios, porém, não são para aquecimento e, portanto, podem ser realizados em qualquer período. A fisioterapeuta ensina algumas séries fáceis que podem ser feitas em qualquer lugar, por qualquer tipo atleta e que promovem o devido fortalecimento preventivo. Vamos a eles:
1) Elevação do arco do pé: Com o calcanhar e os dedos encostados no chão, elevar o arco do pé (a curva na parte interna dos pés). Fazer força com os músculos da sola do pé e sem diminuir a distância do calcanhar ao dedão. Devem ser feitas 3 séries de 15 repetições.
2) Encurtamento do pé (short foot): Com o calcanhar, os dedos e as cabeças dos metatarsos (ossinhos na sola do pé perto dos dedos) encostados no chão, elevar o arco do pé (a curva na parte interna dos pés), sem tirar os dedos ou as cabeças dos metatarsos do chão. Deve-se forçar com os músculos da sola do pé e sem diminuir a distância do calcanhar aos metatarsos. Faça 3 séries de 15 repetições.
3) Abrir e fechar os dedos dos pés: abrir os dedos dos pés bem devagar, levantando os dedos o mínimo possível. Três séries de 15 repetições cada.

A fisioterapeuta aponta para necessidade e os benefícios da prática esportiva, mais especificamente da corrida, e salienta a necessidade de maior informação e participação das instituições públicas para que o esporte traga apenas benefícios a seus praticantes: “ações que incentivem, reforcem e auxiliem a prática de exercícios são de extrema importância. As instituições governamentais e privadas devem realizar trabalhos preventivos com seus atletas. Em geral, o trabalho preventivo já está bem difundido entre os praticantes de atividade física”.

Alessandra ressalta a importância da inclusão do novo protocolo desenvolvido no programa de prevenção das instituições – públicas e privadas – de saúde públicas: “não há nenhuma iniciativa de incluir os pés como foco de atenção nestes protocolos de prevenção, fortalecendo-os. Esse paradigma precisa mudar saindo o foco dos calçados e direcionando para fortalecimento dos pés, frequentemente negligenciado. Essa poderosa ferramenta tem 25 ossos, 33 articulações, 25 músculos e 108 ligamentos, estruturas estas que precisam ser exercitadas e são poderosos instrumentos de atenuação de impacto. Todas estas estruturas podem e são usadas para prevenção de lesões atenuando impactos, tal como vimos em nosso estudo”.

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