Ensino da etnomatemática propõe empatia na relação professor-aluno

O modelo ressignifica a aplicação da matemática no ambiente escolar, sendo um mecanismo de transformação individual

Foto: QC Voices

A matemática ainda é encarada como uma ciência à parte da vida dos estudantes e essa concepção, aliada à dificuldade da matéria, provoca-lhes certo desestímulo. Contudo, a proposta de uma matemática ligada à sociologia e à antropologia feita pelo professor e mestre em educação, Rodrigo Guimarães Abreu, em sua tese Uma história oral da Etnomatemática: caminhos para a dimensão educacional”, mostra que ela pode, sim, ligar-se ao dia-a-dia do aluno e mais, que ela pode estimular a empatia entre as pessoas.

A etnomatemática surgiu no Brasil há cerca de quarenta anos e foi apresentada pelo pesquisador Ubiratan D’Ambrósio como uma proposta educacional que desconstruía o academicismo técnico que a matéria tinha até então. Para Rodrigo Abreu, esse modelo persiste nos dias de hoje: “Nós temos uma matemática centrada nela mesma e descontextualizada do tempo, do espaço e da cultura em que está inserido o indivíduo que precisa aprendê-la”.

O pesquisador também afirma que a matemática é uma produção humana e, ao existirem múltiplas culturas no mundo, também existirão múltiplas “matemáticas”. Ele levanta a questão de que os problemas vividos por um esquimó, por exemplo, são diferentes dos problemas de um havaiano e serão encarados dentro desse aspecto. A matemática ensinada nas instituições de ensino não é, então, a única. “Eu considero que existem muitas matemáticas e a da escola é apenas uma delas”, diz.

Entre a “migalha” e a “totalidade” – a proposta da etnomatemática

O pesquisador aponta que existem dois níveis da etnomatemática: o mais raso e mais explorado que ele chama de a “migalha”; e, o mais profundo, que ele diz ser “a etnomatemática como uma postura”. O primeiro nível propõe um mecanismo de contextualização da matemática na História, apresentando ao estudante os caminhos que esse ou aquele ponto da matéria levaram para se estruturarem. Isso pode gerar novas descobertas, ao passo que a etnomatemática possibilita que povos dominados historicamente tenham voz. Um exemplo que Abreu dá é de quando ele ensina o teorema de Pitágoras aos seus alunos da escola particular em que trabalha, deixando de lado a simples aplicação da fórmula, e mostrando a história desconhecida da criação dela.

Rodrigo Abreu ensina matemática com mecanismos diferentes. Fonte: Acervo Pessoal

“Quando eu ensino o teorema de Pitágoras, eu saio dos livros [didáticos] e vou para um livro de um pesquisador, já falecido, chamado Paulos Guedes que escreveu ‘Pitágoras Africano’. Nesse livro, ele mostra em diversos elementos de vários povos africanos o conhecimento acerca do teorema. Uma indagação surge – mas os africanos sabiam disso? Por que não soubemos por meio deles?”, comenta. Ele diz ainda que a matemática acadêmica é eurocêntrica e que optou por mostrar sua visão da História em detrimento de fatores que a questionam: “O teorema de Pitágoras é creditado a um Pitágoras que nem sabemos se existiu. O conhecimento acerca do teorema estava presente nos babilônios (6000 a.C), em elementos da cultura chinesa (mais de 3000 a.C) e na própria África. Se ele aprendeu sobre isso na África, esse teorema é grego porque foi um grego que o escreveu?”

Mas, o professor afirma que, mesmo esse nível da etnomatemática tendo sua importância no campo educacional, essa não é a sua verdadeira proposta. Há uma profundidade que tange aspectos mais humanos – a empatia. E essa empatia como forma de considerar o outro em sua cultura e dentro de sua própria história como indivíduo é, para Rodrigo Abreu, um elemento transformador. “A etnomatemática reforça uma questão de olhar para o outro em sua integralidade. Para grande parte dos professores, os alunos chegam como uma folha em branco em que se deve depositar várias coisas e não é. Todos já tem um percurso e a etnomatemática não desconsidera isso”, afirma.

O lugar da etnomatemática no modelo educacional brasileiro

Abreu também comenta sobre o modelo de educação do Brasil e diz que, para que a etnomatemática seja aplicada em sua totalidade nas escolas, é preciso mexer estruturalmente nele. O pesquisador ainda aponta que o papel da escola está sendo questionado por não garantir o futuro de seus alunos como antes ocorria e que, dentro dessa crise, a estrutura de ensino dividida em disciplinas não acompanha os avanços da sociedade. “Parece que o conhecimento está dividido em pacotinhos, quando a complexidade do mundo diz que os cientistas têm que se integrar”, opina.

O seu método de ensino baseado na etnomatemática, ao conciliar história, sociologia, filosofia e pensamento político, já sofreu com a desconfiança de pais e alunos, além de escolas, que acham a discussão ampla da matéria uma “perda de tempo”. “Eu já tive alunos que me disseram – ‘Rodrigo, sua aula parece mais de filosofia do que de matemática’. Eu sou grato por ele achar isso, porque às vezes é mais importante falar da filosofia envolvida em um determinado assunto do que da própria matemática. Mas, eu sou contratado e pago para dar aula de matemática. Não está cabendo!”, conclui.

O professor indica a estrutura de aprovação das universidades, os vestibulares, como um dos responsáveis por esse preconceito a propostas educacionais não convencionais como a etnomatemática. “A escola vende para essa família é que quando ele [o aluno] passar por esse processo, ao final ele vai passar no vestibular X. A escola vira um grande treino”, afirma. Por conta disso, Abreu diz que muito do que ele ensina é visto pelos pais como uma perda de tempo: “[é] como se eu não soubesse matemática suficiente para preencher o tempo do meu curso e estivesse me eximindo do meu papel de professor de matemática”.

Com cerca de quarenta anos de existência, a etnomatemática é uma ciência extremamente jovem e que, de acordo com o pesquisador, “ainda está engatinhando em muitos aspectos”. Isso diz respeito também à aplicação dela em sala de aula, já que existem muitas barreiras para sua utilização como, por exemplo, o tempo de aula rígido e a subdivisão do ensino em matérias específicas. “Talvez, o problema não seja dela, e, sim, desse formato. Ela [etnomatemática] é só mais uma mensageira”, afirma Rodrigo Abreu.

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