O embate entre mudanças climáticas e o café no Brasil

Segundo pesquisas, cafeicultura enfrentará migração geográfica caso providências não sejam tomadas para contornar o aumento da temperatura

No Brasil, área ocupada por plantação de café é de 1,8 milhão de hectares. Imagem: Globo Rural

Uma das bebidas mais conhecidas e amadas pelos brasileiros, o café poderá ter sua safra reduzida em até 95% nas principais regiões produtoras do país até 2050. É o que estudos e pesquisadores indicam nas últimas décadas, e mudanças climáticas são apontadas como a grande causa do recesso.

A fim de contornar o problema, o agronegócio tem um novo desafio: ajudar a deter o aumento da temperatura no planeta. Para isso, diversas políticas e iniciativas já estão em curso, como o Renovabio e o próprio plantio do café, que representa uma das culturas mais sustentáveis e atentas à preservação do meio ambiente atualmente.

De grão em grão, o Brasil do café

O Brasil é o maior exportador de café do mundo, responsável por um terço de toda a produção mundial. Dentro do agronegócio brasileiro, a atividade cafeeira movimentou, apenas em 2017, mais de US$ 5 bilhões de dólares, conquistando o posto de quinto produto mais exportado do país. 

Em cadeia nacional, o setor cafeeiro é responsável pela geração de mais de 8 milhões de empregos. Segundo pesquisa realizada pela Euromonitor International, cada brasileiro consumiu 839 xícaras de café no ano passado, e o gasto com a bebida superou até mesmo o com remédios, por exemplo. A cada “não aceitaria um cafezinho?”, frase tão popular no país, as estatísticas positivas do café apenas aumentam.

Com tamanha importância nacional e internacional, a responsabilidade por trás de sua produção também impressiona: segundo dados do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), a cafeicultura brasileira é uma das mais exigentes do mundo em relação a questões sociais e ambientais, e suas leis estão entre as mais rigorosas quando comparadas a países produtores de café.

Apesar de todo o cuidado que a cafeicultura possui em relação ao meio ambiente, um problema mundial preocupa sua produção no Brasil: as mudanças climáticas. De acordo com pesquisa realizada por membros da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e do Centro de Pesquisas Meteorológicas e Climáticas Aplicadas à Agricultura da Unicamp (Cepagri), temperaturas mais altas e maior precipitação poderiam reduzir a área de plantação do café, além de causar a migração geográfica de seu cultivo.

“Com o aumento das temperaturas, haveria uma alteração na geografia agrícola do café”, explica Ana Maria Heuminski de Avila, doutora em engenharia agrícola e diretora associada do Cepagri, responsável também pela pesquisa. “O café tem sensibilidade com relação a temperaturas e estresse hídrico, com uma faixa ideal de calor e precipitação no qual ele se desenvolve de forma potencial. Por isso, temos a qualidade da bebida, por exemplo, na região central e no estado de São Paulo”.

A pesquisa foi realizada a partir das indicações do relatório do IPCC (International Pannel of Climatic Change) de 2004, e, desde então, outros estudos comprovam o que foi constatado, atualizando-a. Foram produzidas e avaliadas simulações sobre os impactos que um aumento de temperatura média do ar de 1ºC, 3ºC e 5,8ºC e um incremento de 15% na precipitação pluvial teriam na potencialidade da cafeicultura brasileira, que seguiu o zoneamento agroclimático do café arábica.

Os resultados não foram bons. De acordo com os estudos, Estados como Goiás, Minas Gerais e São Paulo perderiam uma área apta para a cultura superior a 95%, se considerados cenários mais extremos da mudança climática. Em cenários mais brandos, a área inapta ao cultivo dobraria. Atualmente, apenas Minas Gerais é responsável por cerca de 50% da produção nacional, seguida por São Paulo, um dos Estados mais tradicionais no cultivo do café.

“Foi verificado nessa pesquisa que o aumento das temperaturas, sobretudo, provocaria redução na produtividade devido ao fato de que o café não consegue produzir a fase de floração”, explica Heuminski. “Com isso, há uma tendência de migração da cultura para latitudes maiores, onde o café encontraria melhores condições para resistir às altas temperaturas”.

A espécie Coffea arabica, que representa cerca de 80% da área plantada no Brasil, tem como temperaturas médias anuais ótimas de 18ºC a 22ºC. Temperaturas máximas superiores a 34ºC causam o abortamento de suas flores e, consequentemente, perda de produtividade. Já temperaturas entre 28ºC e 33ºC provocam redução de folhas e de atividade fotossintética do cafeeiro, que perde, além de produtividade, sua qualidade.

Fruto do café pronto para colheita. Imagem: Reprodução.

Com o aumento da temperatura, há a possibilidade de que a cultura do café migre mais para o sul do Brasil, como aponta a pesquisadora. As precipitações, porém, seriam um empecilho para sua migração geográfica, já que os modelos do IPCC apontam também para um aumento de chuvas na região. Assim, o mais provável é que o café passasse a ser plantado em regiões montanhosas, o que dificultaria, e muito, o seu cultivo e controle de qualidade, além de as terras aptas ao cultivo passarem a ocupar uma área ínfima se comparada à atual.

A mudança começa a florescer

Embora a pesquisa tenha considerado os impactos no Brasil durante 100 anos, Ana Heuminski comenta que já poderemos sentir os efeitos das mudanças climáticas nas próximas três décadas: “Se nada for feito, a tendência que a pesquisa mostrou é de que, realmente, de 2050 até 2070 já estaríamos em uma situação de alto risco para as áreas cafeicultoras do país”.

A expectativa é de que, mantidas as condições genéticas e fisiológicas das atuais variedades de café, em menos de um século o cultivo em Minas Gerais será restringido a 28 municípios, sendo que, em 2001, foram contabilizados 702 municípios produtores de café. Em São Paulo, o número cairia para apenas nove municípios aptos ao cultivo, em comparação aos 455 até então produtores.

Os impactos, no entanto, já começam a ser sentidos. Em 2014, apenas uma década após a conclusão da pesquisa, o setor cafeeiro brasileiro sofreu grandes perdas devido a alterações climáticas. “Foi verificado, após a pesquisa, que alguns eventos extremos ocorreram, como em 2014. Foi um ano muito complicado para a região sudeste cafeicultora, com altas temperaturas”, destaca a pesquisadora.

Um prejuízo de 30% na safra de café da Cooxupé, cooperativa de café da cidade de Guaxupé, foi registrado no ano em questão. A produção da empresa representa aproximadamente um quinto da produção nacional, e suas áreas localizam-se, predominantemente, no sul de Minas Gerais.

No total, a produção de café recuou 7,7% em comparação a 2013, e os Estados que mais sofreram quedas na produção foram Minas Gerais, com 18,1% , e Paraná, com 66,1%. Segundo a Conab, houve redução de 2,6% da área ocupada pela produção cafeeira em relação à safra anterior.

Novas tecnologias, novas flores no cafezal

O avanço das mudanças climáticas é um fato. Como ele se dará e como a cafeicultura no Brasil deve ser afetada, no entanto, ainda não é absolutamente sabido. A pesquisa sobre mudanças climáticas e seus efeitos sobre o café aponta possibilidades que devem vir à tona caso nada seja feito. Outras pesquisas, porém, podem ajudar a mudar os resultados.

“Existem muitas incertezas no Painel Governamental de Mudanças Climáticas (IPCC), afinal há uma margem de erro na previsão dos cenários relatados. Outra incerteza é com relação aos modelos agrícolas que estão embutidos nesses modelos climáticos”, afirma Heuminski. “Possuíamos o intuito de apontar possibilidades, o que não significa que necessariamente irá ocorrer. Há fatores a serem considerados, como a possibilidade da adaptação de culturas e o melhoramento genético”.

Paulatinamente, produtores de café, desde os maiores até os menores, adotam medidas necessárias em suas propriedades em troca de certificações — garantias ao consumidor da qualidade de produção do café. Os requisitos para isso são, dentre outros, a adoção de práticas de manejo que visam a preservar nascentes e a destinação de resíduos poluentes gerados na propriedade a locais adequados para descarte.

Além da possibilidade de adaptação destacada pela pesquisadora, o incentivo ao cuidado com o meio-ambiente, como já ocorre no plantio do café, em produções de toda a cadeia do agronegócio, em conjunto com políticas públicas e menor emissão de gás carbônico na atmosfera, poderiam impedir mudanças climáticas mais drásticas em nosso planeta. 

Nesse sentido, políticas de Estado como o Renovabio tendem a proteger o futuro do agronegócio no Brasil, incluindo o café. Seu objetivo, descrito pelo Ministério de Minas e Energia, é “reconhecer o papel estratégico de todos os tipos de biocombustíveis na matriz energética brasileira”, estratégia que pretende tanto garantir segurança energética quanto diminuir a emissão de gases causadores do efeito estufa.

Além de trabalhar com combustíveis renováveis e não prejudicar o meio ambiente, o Renovabio não cobra impostos sobre carbono, subsídios, crédito presumido ou mandatos volumétricos de adição de biocombustíveis a combustíveis, o que garante maior adesão de produtores e, consequentemente, maior envolvimento do setor contra as mudanças climáticas.

Dessa maneira, indica a pesquisadora, não só a agricultura deve se adaptar às mudanças climáticas, como o contrário também é verdadeiro. Governos, empresas privadas e a humanidade como um todo ainda são capazes de reverter o cenário catastrófico previsto para este século, e reduzir os riscos de migração ou desaparecimento de culturas a números insignificantes deve ser a meta. “Serão necessárias atitudes como a mudança da forma de plantio, recuperação da mata ciliar e das nascentes, desenvolvimento de tipos de plantios de modo a não expor tanto o solo. Enfim, toda preservação desses recursos é importante na questão da adaptação do café”.

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