População de baixa renda foi a mais impactada na saúde mental durante a pandemia

Estudo voltado aos números das psicoses mostra que a piora se deu em toda a população, mas em graus bem diferentes

Números da psicose aumentaram durante a pandemia. Imagem: Freepik.com

O planeta ainda dá seus primeiros passos para se reerguer dos danos da pandemia. No Brasil, os problemas sociais se agravaram e as questões de saúde pública foram além do novo coronavírus. Como por exemplo, a saúde mental, que passou a ser ainda mais discutida após a brusca mudança de rotina da população.

O impacto desse “novo normal”, porém, se deu de forma desigual. É o que aponta o estudo do Instituto de Psiquiatria (IPq) do Hospital das Clínicas, que mediu os números de incidência das psicoses, uma categoria de transtornos mentais que acomete a visão da realidade, antes e durante a pandemia nas diferentes classes sociais. O ranqueamento dos piores números se dá exatamente na ordem das classes menos para mais favorecidas, da E para a A.

“Se a gente pegar as comparações, as pessoas de baixa renda foram muito prejudicadas. Elas já tinham o pior score [pontuação utilizada na pesquisa para medir o grau de doenças psíquicas] antes da pandemia e foi um dos que mais aumentou também”, afirma o psiquiatra Alexandre Loch, um dos autores da pesquisa. “O público de classe A foi o único estrato social que não teve uma mudança significativa. Aumentou a pontuação, mas não de maneira significativa”.

Entre os fatores para essa distância, Loch destaca o aumento do desemprego e as condições para se adaptar ao home office como agravantes do período de pandemia. Segundo o doutor, a população mais abastada pôde enfrentar esse período utilizando os privilégios econômicos para criar distrações e investir em momentos de lazer. Essa oportunidade, que não é comum entre os grupos, se tornou um fator fundamental para a manutenção dos números de saúde mental.

A pesquisa é dividida em três “ondas”, sendo a primeira delas realizada em 2016, com 2.001 entrevistados, a segunda em 2019, com cerca de 2.500 pessoas de forma virtual, e a terceira que será disponibilizada em breve. O recorte escolhido foi a população entre 18 e 30 anos, pois essa é a janela de maior incidência primária da esquizofrenia – transtorno mental mais comum do grupo das psicoses –, com cerca de 90% dos casos. Em homens, a doença aparece de forma ainda mais jovial na maioria, entre os 15 e 25 anos.

Segundo Loch, há um motivo específico para a escolha do enfoque nas psicoses, mais especificamente a esquizofrenia: “É uma doença muito debilitante, traz muita disfunção, gera muita incapacidade. Dentre as doenças psiquiátricas, é a que mais tem um peso [de debilitar o paciente]”, aponta o psiquiatra. “É uma das doenças que têm mais preconceito, então a ideia é prevenir o aparecimento dela. Quando a pessoa tem o primeiro surto, boa parte da doença já andou”.

O psiquiatra também aponta que as psicoses são as maiores marcadoras de sofrimento psíquico. Além da esquizofrenia, transtornos como a bipolaridade, a paranoia e os ocasionados por substâncias químicas, como drogas ilícitas, também se encaixam nas ramificações da doença. Não há um consenso médico do que pode ocasionar a psicose, mas acredita-se que o isolamento social, assim como foi no período pandêmico, seja uma das grandes causas.

Sintomas comuns são delírios, alucinações e desorganização do pensamento, e o acometido normalmente não percebe a alteração de seu comportamento. Loch cita que a psiquiatria preventiva é um caminho chave para o combate aos estágios avançados das psicoses. Entretanto, esses cuidados enfrentam preconceitos na sociedade e não são tão difundidos como os exames para outras doenças. “Esse grande projeto que estamos fazendo é justamente para a gente tentar marcadores de riscos futuros”, diz o psiquiatra.

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