Cantoras de vanguarda dos anos de 1980 ganham destaque em pesquisa

Pesquisadora analisou história de artistas mulheres que contribuíram esteticamente à Vanguarda Paulista

Fotografia retrata Ná Ozzetti, Suzana Salles, Eliete Negreiros e Vânia Bastos em 1987 | Foto de Mário Luiz Thompson

Não só nas artes é comum a omissão das histórias de mulheres que contribuíram para existência de um determinado movimento. Tendo ciência disso, sendo feminista e engajada nessas pautas, além do interesse em analisar a produção musical dos anos de 1980, Luísa Nemésio Toller Motta desenvolveu sua dissertação de mestrado. Intitulada Se a obra é a soma das penas: um estudo feminista sobre as cantoras da Vanguarda Paulista, a pesquisa foi apresentada para a Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP e pertence ao Programa de Pós-Graduação em Música.

Foram analisadas seis canções interpretadas por Tetê Espíndola, Vânia Bastos, Ná Ozzetti, Alzira Espíndola, Suzana Salles e Virgínia Rosa, a fim de dar visibilidade às obras e ampliar a discussão sobre as subjetividades da voz. Essa seleção se deu após a pesquisadora contemplar os discos solos de cada uma dessas cantoras e encontrar materiais que pudessem contribuir para análise de elementos musicais, textuais e temáticos.

Entre os anos de 1979 e 1985, surgiu uma “movimentação” cultural na cidade de São Paulo que ficou conhecida por Vanguarda Paulista. Embora seja caracterizado como um movimento, muitos artistas pertencentes a ele preferem não utilizar esse termo pelo fato dele não ter sido premeditado, como aconteceu com a Tropicália, em que artistas se reuniram para romper esteticamente a música. Na verdade, esse período foi composto por grupos independentes que contribuíram cada um à sua maneira, mas que possuem pontos de convergência.

A princípio, Luísa analisaria Os Mulheres Negras, dupla de Mauricio Pereira e André Abujamra, a fim de compreender como os recursos eletrônicos eram utilizados por eles em plena década de 1980. No entanto, após perceber que analisar dois homens se afastava do seu posicionamento político, foi sugerida a mudança na linha de pesquisa.

Assim, ao pensar como poderia fazer algo em relação à gênero sem se afastar completamente da música paulistana daquela época, Luísa cogitou a Vanguarda Paulista, consolidada como um período importante da MPB. Como a maioria das pesquisas mostravam os homens como protagonistas, foi preferido analisar as cantoras que contribuíram e construíram a estética deste movimento. “Existe na história da pesquisa das artes um apagamento das mulheres sendo participantes e criadoras da própria arte”, comentou.

Na pesquisa, foram analisados os espaços físicos do trabalho das mulheres e a difícil tarefa de conciliar carreira, casamento e família, além de precisar do aval masculino para poder permanecer no mercado. Dessa forma, a pesquisadora selecionou exemplos de como era antes da vanguarda para enfatizar a realidade dos fatos. De acordo com ela, a figura feminina caía em uma binaridade de “santa ou vadia”, levando em conta que as mulheres na vanguarda atuavam em vários meios, desde produtoras a jornalistas.

As cantoras, no entanto, até hoje possuem um símbolo construído. A voz feminina vem desde a figura da mãe, a primeira voz que todo mundo escuta, até a voz da sedução, que vem do imaginário das sereias e depois das prostitutas. Para Luísa, existe um imaginário na arte que constrói esse estereótipo do que é ser cantora.

No decorrer de sua análise, Luísa Toller se surpreendeu com o fato de muitas mulheres terem produzido pesquisas semelhantes à dela, mas que são pouco conhecidas e que deveriam estar em uma bibliografia básica de ensino: “Existe uma extensa bibliografia feitas por mulheres e que não chegam até nós”. Na pesquisa, é mencionada a pianista Ciça Tuccori, mas poucos dados foram achados sobre ela, o que enfatiza ainda mais o difícil acesso e o processo de apagamento das histórias de mulheres.

A pesquisadora critica o fato deste movimento ser, frequentemente, esquecido: “É estranho como muitas vezes a Vanguarda Paulista não é colocada na linha do tempo”. Ela acredita que ainda falta assimilar a ruptura estética que houve na época para, assim, divulgá-la. Mas lembra que há músicas analisadas que foram lançadas após essa época, o que demonstra como esse movimento contribuiu esteticamente para a música brasileira.

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