A Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, instituída em 2015, busca assegurar que atividades pedagógicas em escolas sejam acessíveis a todas as crianças igualmente. Nesse contexto, a pesquisadora Isabela Angelo desenvolveu sua dissertação de mestrado — “Recomendações para o desenvolvimento de ambientes de programação inclusivos para crianças cegas”, orientada pela professora Roseli de Deus Lopes, através do Departamento de Sistemas Eletrônicos da Escola Politécnica da USP— na qual ela pretende trazer essa discussão à realidade tecnológica de hoje.
A programação é uma área do conhecimento que vem ganhando destaque com o avanço da tecnologia ocorrido nos últimos anos. O seu valor, porém, não está restrito à área científica: o pensamento lógico que ela requer também pode ser utilizado como uma ferramenta de aprendizado. Segundo Isabela, “Querendo ou não, mesmo estando longe de uma área de computação, é preciso ter esse desenvolvimento lógico bom para ter um bom desempenho. Às vezes até para automatizar alguma coisa que é feita.”
Nesse sentido, o Scratch — uma linguagem de programação desenvolvida pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts — surge como uma introdução ideal a esse mundo, uma vez que ele não exige conhecimento prévio de programação e sua funcionalidade é baseada na manipulação de bloquinhos virtuais através de uma plataforma online. Ao encaixar os bloquinhos uns aos outros, numa espécie de Lego, é possível criar histórias e jogos interativos. O único problema é: o Scratch, por ser majoritariamente baseado em ferramentas visuais, é pouco acessível para crianças cegas.
Das ideias para a prática
A solução encontrada por Isabela foi trazer esses bloquinhos para o mundo tangível na forma de peças de MDF, a fim de permitir uma cooperação entre alunos de diferentes acuidades visuais. Para comprovar a eficácia de sua ideia, foram organizados dois grupos de testes: o primeiro com crianças sem deficiências visuais, e o segundo com crianças cegas congênitas, ou seja, crianças cegas que já nasceram com essa condição.
O primeiro teste teve a finalidade de avaliar a usabilidade geral das crianças em relação ao sistema de peças tangíveis. Nessa etapa, Isabela precisou repensar a maneira segundo a qual ela transmitia os conceitos básicos do Scratch às crianças, bem como a forma de aderência entre as peças que, até então, era inexistente. Para a próxima etapa, portanto, foi necessário realizar alguns ajustes no protótipo, levando em consideração, inclusive, sugestões de profissionais das áreas de educação especializada, design, tecnologia assistiva e desenho universal.
Ainda assim, no segundo teste, a pesquisadora relata que “deu para perceber que as crianças, por estarem empolgadas e se moverem bastante, tinham dificuldade em unir as pecinhas”. A solução para a aderência entre estas — o velcro — não se mostrou suficiente para manter fixa a montagem do código. Além disso, o uso de Sistema Braille aumentado na identificação das peças também se provou controverso, uma vez que, apesar de a sua leitura ser possibilitada para crianças com e sem fluência no sistema, aquelas com fluência apresentaram lentidão ao reconhecer o sistema aumentado.
Esses testes, porém, foram essenciais para a avaliação do produto final: “Foram detalhes que eu fui percebendo e que foram muito importantes. Porque uma coisa são as ideias que se tem; outra coisa é um ser humano utilizando o seu sistema. É uma diferença muito grande”.
Da prática para a realidade brasileira
Além de o Scratch auxiliar no desenvolvimento de raciocínio lógico e apresentar conceitos de programação que facilitam o aprendizado de outras linguagens mais complexas, como Java e Python, a interface acessível desenvolvida neste trabalho também promove a oportunidade de sociabilização entre crianças de diferentes acuidades visuais. A pesquisadora reforça: “Se não são colocadas as duas crianças juntas, separa-se a sala e fica cada uma fazendo uma coisa diferente. Quebra a integração que se tinha como objetivo no começo”.
Isabela participou de eventos voltados ao Scratch no Brasil e notou que várias escolas — tanto da rede pública quanto da privada — já começaram a assimilar a estratégia de ensino proporcionada por esse programa em suas unidades. Nesse sentido, a pesquisadora ressalta que, apesar de ela ter utilizado materiais mais “sofisticados” para construir as peças, como MDF e cortador a laser, estas podem ser obtidas a partir de materiais mais simples. O que importa são algumas características básicas, como a sua rigidez, de forma que o encaixe das peças seja facilitado.
Por fim, a respeito do aumento da valorização de profissionais da área de tecnologia, Isabela afirma que, com isso, aumentará também a importância do aprendizado em programação nas escolas. Então, é muito importante que esta aprendizagem seja acessível a todos: “A gente tem sempre que abrir os horizontes para que as crianças possam sonhar e conseguir uma carreira na qual elas realmente tenham interesse.”
Faça um comentário