Percepção da história tem influência na vida de alunos

Educadores em ambiente escolar podem contribuir na construção da cidadania

Imagem: Reprodução

O que faz uma pessoa relacionar o momento em que ela está vivendo com referências do passado? Existe uma relação entre o estudo da história e ambiente escolar? Como isso afeta o estudante?  É isso que o professor da Universidade Tiradentes, especialista em História e Educação, Aaron Sena Cerqueira Reis, buscou entender na sua tese de Doutorado na Faculdade de Educação da USP.

Um dos objetivos principais do pesquisador era entender a relação dos estudantes com o material didático. Esse objetivo foi sendo estreitado e moldado para questões ainda mais complexas e acabou tornando-se uma reflexão dos olhares dos jovens sobre um momento de transição no Brasil.

Consciência histórica

Em resumo é a forma como se articula temporalmente e como você usa essa articulação temporal na sua vida.O pesquisador escolheu trabalhar com o conceito de consciência histórica baseada no filósofo alemão Jorn Rüsen, pela metodologia dos estudos da história. Uma vertente que vem crescendo no Brasil, principalmente pela tradução das obras do filósofo no País.

A consciência histórica na teoria de Rüsen é dividida em quatro tipologias. Formas diferentes de ver a experiência temporal, essa relação de passado, presente e futuro.

Há, portanto, a tradicional em que o sentido da história é uno e duradouro. “Sempre choveu, sempre vai chover”, “Político sempre roubou, sempre vai roubar”. É uma forma comum de ver a história. A exemplar é uma tipologia relacionada como história mestra da vida. Em que se olha o passado, para aprender com os erros desse passado. Existe também a Consciência histórica de sentido crítico que é o oposto da exemplar. Não há um olhar para o passado e um aprendizado com ele, olha-se o passado para criticá-lo.  E, por fim, a Consciência histórica de tipos genéticos, segundo o próprio teórico, é a forma mais complexa de perceber a história. É a maneira em que se olha para o passado articulando com o presente e projetando o futuro. Observar experiências temporais e tentar estabelecer comparações com aquilo que a pessoa acredita.

O método

As pesquisas foram feitas em uma escola pública, localizada na região oeste da capital de São Paulo, em horário de aula com os professores. O processo foi dividido em duas etapas. Em 2016 era com os professores de história. Aaron acompanhou um professor do ensino fundamental, outro do ensino médio e aplicou questionários.

Nesse primeiro momento, o objetivo foi conhecer a escola, os estudantes e os professores. Com intuitos mais gerais, ele foi em busca sobre o que os estudantes interpretavam como história, quais assuntos que eles consideravam histórico e como esses estudantes se relacionavam com o material didático. Ele não era disponibilizado em quantidade suficiente para todos os estudantes, de forma que eram necessários outros meios para suprir essa carência.

Aaron aplicou dois instrumentos de pesquisa para abordar os alunos pelo viés discursivo. O primeiro era mais genérico, mas permitiu que o pesquisador percebesse questões importantes para o desenvolvimento do segundo instrumento, mais específico.

Técnicas de Análise

A Grounded Theory (Teoria fundamentada nos dados) foi um dos instrumentos utilizados que se assemelha à análise do discurso. Usou essa teoria para focar nos dados, no que eles dizem e como podem conduzir para um pensamento e no que esses dados convergem.

E também o Software IRAMUTEQ que auxilia em pesquisas, sobretudo, de caráter qualitativo. Fornece a frequência das palavras que aparecem nos discursos, nas análises narrativas escritas e mostra qual relação estabelecida pelos participantes. Teve um total de mais de 300 participantes. Na primeira etapa 199, na segunda 112 e na terceira 128 estudantes.

Considerando a terceira etapa, todos eles responderam um questionário. Esse questionário foi compilado em apenas um documento, agrupando as 128 respostas. O documento foi inserido no IRAMUTEQ e ele mostrou as palavras que apareciam com maior frequência. E observou no resultado como a ideia de um estudante poderia se correlacionar com as de outros. A análise, no entanto, continua sendo função do pesquisador. O software é apenas uma ferramenta cujo intuito é auxiliar neste trabalho evidenciando frequência e relação das narrativas.

Fonte: Gráfico produzido com auxílio do IRAMUTEQ.
Esse gráfico corresponde à Análise Fatorial de Correspondência (AFC)

 

Análise de similitude do corpus Brasil em crise
Fonte: Árvore máxima de similitude produzida com auxílio do IRAMUTEQ.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Resultados

Após análise, foi percebido um foco muito grande no tempo presente e em alguns momentos resgates de acontecimentos passado para tentar conferir sentido ao momento atual. No último capítulo da tese quando Aaron pergunta como era o Brasil no passado, os alunos respondem baseando-se na experiência do presente que eles denominam como crise. As respostas partem do Brasil estar em crise por vários aspectos. Um deles é a escravidão que culminou nos preconceitos e racismo. Além disso, Aaron solicita que eles façam uma projeção para o futuro, com base nessa situação que eles vivenciam, de como eles imaginam/refletem o futuro deles.

Embora eles projetem esse futuro, no âmbito particular, com uma melhora de vida, que vão estar empregados, com uma boa casa, casados e etc., há uma compreensão que as conjunturas do presente podem contribuir negativamente para esse futuro. Muito deles, portanto, acabam por ter uma visão pessimista em relação ao que está por vir.

Aaron não entra na questão de especificar o que é essa crise, em como ela afeta diretamente a vida dos participantes. A ideia de crise surge pela força que a palavra toma nas narrativas dos estudantes.

Não avaliou necessariamente o impacto que isso causa, mas supõe que seja tamanho pela frequência que eles utilizavam essa expressão/ideia. E acredita, talvez, ter pecado por não ter uma análise mais profunda sobre isso, porém que todas os problemas que eles apontaram atingiam de certa forma a vida deles negativamente, bem apresentado nas falas.

O pesquisador deseja, em fala sutil, que seu estudo gere impacto nos professores de alguma forma. Mesmo com tantos ataques à educação, a resistência se faz cada vez mais necessária, que continuem a valorizar a educação do jovem e sair do senso comum de que eles não possuem nada na cabeça. “O jovem adquire muito conhecimento e informações, mas é preciso uma ajuda para selecionar o que é válido, aquilo que merece ser investigado, debatido e aquilo que não merece tanta atenção.”

Na medida que o professor percebeu que jovens têm dificuldade em definir e entender o que é uma democracia e uma ditadura, isso mostra que por mais que professores de história tenham investido esforços para elucidar esses conceitos e ideias, os estímulos não podem parar. É uma realidade que vai além da escola, de São Paulo e alcança o Brasil.

Aaron conclui: “Por isso é importante em reforçar conceitos, e por mais que sigam modelos curriculares, o objetivo da história é na construção da cidadania. Construção de um cidadão mais crítico, sabendo seus direitos e deveres. E mostrar para os professores como o ensino é importante, e que se eles já fizeram muito, precisam fazer muito mais.”

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