Cortes beneficiam sistema de ensino privado, afirma sociólogo sobre desinvestimento na Educação

Indignado mas não surpreso, professor analisa o que há por trás das canetadas que agitaram classe estudantil

Em Live, Bolsonaro e seu ministro da Educação Abraham Weintraub (o primeiro à dir.) tentam explicar cortes com chocolates. Créditos: Facebook/Reprodução

Em seu escritório na sala 2131 do prédio de Ciências Sociais da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, o professor Ruy Braga comenta o mais recente motivo pelo qual estudantes de todo o país saíram às ruas nos dias 15 e 30 de maio – o corte generalizado de 30% na pasta da educação.

Além de afirmar que os estudantes que se manifestavam eram “idiotas úteis”, o presidente Jair Bolsonaro, em viagem aos Estados Unidos, justificou o contingenciamento de recursos dizendo que caso ele não fosse feito, incorreria contra a Lei de Responsabilidade Fiscal.

Professor e chefe do departamento de sociologia da faculdade, Ruy Braga rebate tal justificativa do presidente. “Não precisa cortar da educação especificamente. O orçamento público da União precisa se adequar a um certo teto de gastos definido pela PEC votada no Governo Temer. Mas há outras áreas que podem ser contingenciadas; não precisa necessariamente cortar da educação”. Braga lembra que ao mesmo tempo que o governo adota esse discurso de falta de recursos, Bolsonaro leva a cabo a promessa de anistiar dívidas do agronegócio com o Funrural (Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural), que já batia o valor de R$ 30 bilhões em 2017, segundo a equipe econômica anterior.

Seu diagnóstico diante não só dos cortes no orçamento da educação, mas também da Capes, órgão financiador de pesquisa, é de que o governo se mostra obscurantista, contra a ciência e o conhecimento. Ao enfraquecer o ensino público, aponta o professor, abre-se espaço ao capital privado para suprir a necessidade desse serviço. “O interesse também é criar um ciclo de negócios para o investimento privado. Atrair mais investimento nessa área, apesar de o Brasil já ter a maior universidade privada do mundo, que é o sistema Kroton (que domina várias universidades no país todo, como as redes Anhanguera e Unopar)”.

“Mas nos Estados Unidos…”

Críticos ao sistema público de financiamento das universidades federais e estaduais citam frequentemente o modelo norte americano como exemplo. Endividando mais do que setor automobilístico, o modelo de mensalidades do ensino superior tem sido discutido por lá. Ainda nessa discussão, Ruy enfrenta sobretudo a ideia de que o governo americano não precisa gastar dinheiro com pesquisa. “Isso é um delírio. O grosso da pesquisa nos EUA vem da National Science Foundation, ou seja, vem do financiamento público. Isso é no mundo inteiro, porque o investimento em ciência é um tipo de investimento de longo prazo e as empresas não o fazem. Então, existe um desconhecimento a respeito do que é de fato o sistema americano, que é muito diferente do que as pessoas imaginam. E mesmo considerado bem-sucedido, ele tem crises”.

A desvalorização das ciências humanas

No dia 26 de abril, através do Twitter, o presidente Jair Bolsonaro disse que o ministro da educação estudava “descentralizar investimentos em faculdades de filosofia e sociologia (humanas)”. Apesar de tal medida ser ilegal por transgredir o artigo 207 da Constituição, que garante a autonomia universitária na gestão de seus recursos financeiros, a fala do presidente ecoa uma insatisfação generalizada contra esse ramo do conhecimento no Brasil.

Na tentativa de entender o que levou certa parcela da população a essa indisposição, o professor observa a emergência de um anti-intelectualismo, estreitamente ligado ao contexto socioeconômico pelo qual passamos. “As pessoas tendem a desvalorizar aquilo que elas não conhecem. Apesar de não ser uma universidade de elite como foi no passado – pois hoje a maior parte dos matriculados em universidades federais é formada por estudantes vindos de camadas populares -, o número de matrículas ainda é muito pequeno. Então, não há de fato, para o grosso da população, uma compreensão muito clara do que se faz dentro da universidade, porque ela está muito distante do dia a dia das pessoas”.

Em abril, o IBGE divulgou que o desemprego já atinge 13,4 milhões de brasileiros. Sobe também a quantidade de subempregados e de desalentados. Diante dessa situação dramática, segundo Braga, é comum as pessoas verem no intelectual a figura de um sujeito à toa, distante dos problemas cotidianos. “Bem ou mal, as pessoas conseguem entender que uma faculdade que forma médicos dá um retorno; o mesmo ocorre com faculdades de engenharia; as pessoas conhecem advogados, então elas veem uma utilidade material para essas profissões. No caso das ciências sociais, não”. É o que explica o professor, reforçando o argumento ao lembrar que é uma minoria de estudantes que escolhe os cursos de sociologia ou filosofia. “[As pessoas] olham em volta e identificam seus bodes expiatórios – os ‘vagabundos que não fazem nada’. Quem são esses ‘vagabundos’? Os intelectuais, porque eles não ‘metem a mão na massa’, não produzem carros, alfinetes, cadeiras, bens materiais”.

“Só que essa compreensão é não apenas equivocada e estereotipada, mas também não leva em conta que os sociólogos e filósofos são parte essencial da solução dos problemas que essas pessoas estão vivendo”, continua o professor. “Por exemplo, o desenho das políticas públicas no mundo todo, para enfrentar as desigualdades, a pobreza e a violência, são políticas públicas desenhadas por sociólogos”. Desde setembro de 2017, o Monitor da Violência produz dados, artigos e gráficos sobre segurança pública. O projeto é desenvolvido pelo Núcleo de Estudos da Violência (NEV), vinculado à USP, juntamente com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública e o site G1. Não há como otimizar a atuação do Estado quanto à segurança, exemplifica Braga, sem esse tipo de estudo. O NEV conta atualmente com 16 pesquisadores com formação em ciências sociais.

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