Mídias digitais influenciam letramento infantil

Acesso a tais meios pode contribuir ou afetar processo de alfabetização durante o ensino fundamental

Pesquisadora da USP destaca a importância dos pais e escolas equilibrarem o acesso das crianças as mídias digitais. Reprodução: Divulgação/Pixabay.

Na atualidade, as mídias digitais estão nas casas de muitos brasileiros. As crianças desde muito pequenas contam com o acesso a inúmeros conteúdos, muitas vezes, sem qualquer mediação dos pais. Katia Arilha, pesquisadora da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FE-USP), desenvolveu seu doutorado sobre essa temática.

Denominada O letramento na contemporaneidade: o papel das narrativas na aprendizagem da leitura e da escrita e sua relação com as mídias contemporâneas, a pesquisa tem o objetivo de entender como os acessos às mídias digitais podem contribuir ou afetar os processos de letramento de crianças que estão no ensino fundamental I.

Após o fim do seu mestrado focado no processo de alfabetização, realizado também na FE-USP, a pesquisadora decidiu abordar os 3º, 4º e 5º ano do ensino fundamental I, períodos considerados como momentos de ‘consolidação’ da leitura e escrita dos estudantes. Segundo a pesquisadora, o letramento não deve se restringir somente a decodificação de letras, pois ele “está relacionado às narrativas, aos discursos, ao repertório que as crianças têm e como elas lidam com isso”.

O letramento abrange questões sobre como as crianças leem, escrevem, interpretam e produzem sentido a partir dos seus conhecimentos de mundo. “Eu percebi que a gente precisa ter um estofo da fantasia, literatura e das narrativas que as crianças gostam para alfabetizá-las. Não dá pra gente chegar direto com as letras, porque isso faz menos sentido para elas”.

A pesquisadora explica que vivemos num mundo com excesso de informação, imagens, com exigências, onde as pessoas não têm tempo para ficar próximo da sua família devido ao excesso de trabalho. De acordo com a professora, isso “faz com que a palavra não se presentifique tanto no cotidiano das crianças”, apesar de ser necessário a utilização das palavras e da língua portuguesa na sociedade.

Mídias e as crianças

Para Katia, as novas tecnologias contribuem para o letramento das crianças apenas quando utilizadas de forma equilibrada com a leitura, escrita e a oralidade, retomando temáticas que fazem intertextualidade com os textos de qualidade. Ela diz que somente a mídia não é capaz de garantir o desenvolvimento da leitura e escrita dos estudantes. Por causa disso, a necessidade desses instrumentos serem usados de forma contextualizada nas escolas. Ao invés de acessar as novas mídias diretamente, a professora destaca a importância das crianças, inicialmente, exercitarem a oralidade e a memória, através do ato de ouvir e recontar histórias, “participar de brincadeiras orais como trava-línguas, adivinhas, parlendas, cantigas, e que encontrem na leitura o prazer da imaginação. Tudo isso trará repertório para o desenvolvimento da escrita de qualidade. As mídias podem ajudar a ilustrar esse processo, se vierem associadas a esses conteúdos”.

Já os pontos negativos das mídias são o fato delas concorrerem com a oralidade e a leitura. “É problemático quando os adultos não conversam mais com as crianças, pois estão no celular. Ou quando as crianças ficam presas aos aparelhos eletrônicos sem desenvolverem uma relação presencial de qualidade com o outro”.

A pesquisadora pontua a importância das escolas e familiares atuarem como mediadores entre o conhecimento e o uso das mídias contemporâneas. Os pais precisam conversar, contar histórias, orientar e equilibrar a leitura, a escrita e o acesso das mídias pelas crianças. Já os professores precisam levar conteúdos midiáticos às escolas de forma criteriosa, “relacionando esse tipo de conteúdo com o texto literário”. Ela diz que as escolas e professores não devem ignorar a presença e o potencial das mídias na sociedade, mas devem propor uma utilização que direcione as crianças a narrativas de qualidade.

Projeto Desafios

O projeto denominado O desafio de ensinar a leitura e a escrita no contexto do ensino fundamental de nove anos, conhecido como “Desafios” ocorreu em três estados brasileiros e serviu como base para a pesquisa da professora. Ocorrido entre 2011 e 2014, ele aconteceu em três escolas: na Escola de Aplicação da FE-USP; na Escola de Aplicação da Universidade Federal do Pará (UFPA); e na Escola Municipal Nila Rego, na cidade Pau dos Ferros, no Rio Grande do Norte com os pesquisadores da Universidade Estadual do Rio Grande do Norte (UERN).

O objetivo do projeto era “diagnosticar e intervir em habilidades de oralidade, leitura e escrita das crianças, propondo um esboço de plano de ensino de continuidade entre infantil e fundamental, levando em conta as demandas existentes nas escolas, propondo um trabalho em equipe entre docentes e pesquisadores dos três estados e buscando, ainda, contribuir para os programas voltados à formação de professores”.

Para diagnosticar e obter informações acerca do repertório dessas crianças, os pesquisadores aplicaram conteúdo em sala, cotidianamente, e também fizeram pesquisa com os pais das crianças para saber quais relações eles tinham com os livros, o acesso às mídias digitais, e sua afinidade com a cultura popular e da contação de histórias. A partir dos resultados os pesquisadores utilizavam a oralidade — como contos, lendas, cantigas, histórias orais, mobilizando e dinamizando a linguagem e expressividade dos estudantes, para sanar os seus déficits.

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