“Recuérdame, si en tu mente vivo estoy. Te llevo en mi corazón y te acompañaré” (Lembre-se de mim, se eu estiver vivo em sua mente. Te levo em meu coração e te acompanharei). Foi na voz doce e nos poucos acordes de violão como arranjo, que ouvir essas palavras levaram adultos às lágrimas no cinema com a animação Viva – A vida é uma festa (2017). O longa da Disney que se passa no Dia dos Mortos, o conhecido feriado mexicano, e traz entre figuras de esqueletos e uma explosão de cores, temas como perda de familiares, envelhecimento e o mal de Alzheimer. A terapeuta ocupacional, Janaína Harder, desenvolveu a dissertação de mestrado A percepção do informante frente à funcionalidade do idoso com doença de Alzheimer (DA), sobre a doença que acomete tantos idosos dentro e fora das telas.
A cena final da animação comove por ser algo de fácil identificação. Segundo a Alzheimer’s Association Brasil, só no País cerca de 1 milhão de pessoas vivem com a demência, enquanto o número mundial pula para a casa dos 44 milhões de pacientes. A medicina ainda não consegue impedir o avanço da doença, e a medicação disponível tenta melhorar a qualidade de vida dos pacientes e, por consequência, das pessoas em volta dela que lidarão com o Alzheimer.
O diagnóstico correto ainda na fase inicial da doença pode ser um fator decisivo nos anos que virão para o idoso debilitado. Diante dessa necessidade, a pesquisa de Janaína avaliou o paciente e as pessoas ao seu entorno para um diagnóstico melhor. “Eu quis analisar a funcionalidade do idoso com doença de Alzheimer, tanto do ponto de vista do cuidador, como ele vê o doente, como do ponto de vista do profissional que aplica uma avaliação direta.”
Envelhecimento bem-sucedido
“A terceira idade vem crescendo muito, e faz parte da minha profissão de terapia ocupacional a funcionalidade, olhar esse idoso em ação, agindo e sendo independente no dia a dia”, começa a terapeuta. Para muitos, a saúde íntegra não é fator decisivo para avaliar o sucesso. De fato, manter a qualidade de vida, funcionalidade, cognição e outros aspectos, preservando a independência enquanto lida com uma doença pode ser um envelhecimento satisfatório também.
A funcionalidade, de acordo com a definição presente na tese baseada na Classificação Internacional de Funcionalidade, publicada em 2004 pela Organização Mundial da Saúde, a descreve como “a interação dinâmica entre as funções e estruturas do corpo (olhos: visão, ouvidos: audição, cérebro: memória, etc), as atividades (execução de uma tarefa, ação de um indivíduo), a participação (envolvimento numa situação de vida real) e fatores ambientais e sociais (ambiente físico e social em que a pessoa conduz a vida)” .
O aspecto é avaliado a partir das atividades de vida diária, conhecidas como AVD. As AVDs são categorizadas em 3 níveis de acordo com a complexidade cognitiva: as mais simples, denominadas atividades básicas de vida diária (ABVD), como se alimentar sozinho, comunicação e autocuidado básico; as atividades instrumentais de vida diária (AIVD) possuem nível moderado, como planejar uma refeição em família e participar da vida na comunidade; e mais difíceis, como organizar uma viagem, fazer um trabalho voluntário ou de lazer mais elaborado, chamadas de atividades avançadas de vida diária (AAVD).
Doença de Alzheimer e as AVDS
A doença de Alzheimer (DA) afeta o funcionamento integral do cérebro. A Associação Brasileira de Alzheimer, descreve duas maneiras principais de ação da DA no cérebro: pela diminuição da quantidade de neurônios e consequentemente de sinapses, que são as ligações entre essas células nervosas; e pela deposição de proteína beta-amiloide, formando placas neuríticas. Essas lesões cerebrais afetam regiões específicas do cérebro que causa a perda de funções cognitivas.
À vista disso, conseguimos estabelecer a ligação entre a DA e a funcionalidade, em que a demência torna, de forma gradativa, mais dificultoso o idoso conseguir realizar os níveis de AVDs. Por evoluir nos pacientes, ela é dividida em três fases: leve, moderada e grave.
No inicio, na fase leve, o idoso começa a esquecer as memórias mais recentes do cotidiano, e tem dificuldade em realizar atividades instrumentais. Quando a DA progride, o paciente passa a precisar de auxílio para autocuidado, esquecer pessoas e até o lugar onde vive. “O idoso começa a esquecer se já tomou banho, o que ele fez no dia, dar recados, que são as memórias recentes. Depois ele começa a perder as memórias mais tardias. Quando ele esquece quem é o filho, o cuidador, ou neto, é porque o grau aumentou. Então, essas memórias têm um declínio e vão ficando cada vez mais comprometidas”.
Avaliação direta e indireta
Para que um paciente seja diagnosticado com a doença de Alzheimer, ele faz exames físicos, como sangue, tireóide e urina, buscando deficiências como anemia e vitaminas que podem interferir no comportamento dos pacientes e demonstrar a perda das AVDs. Também são feitas uma série de avaliações psicológicas que testam a cognição em vários aspectos da vida, através de escalas em que se tem uma pontuação de corte para o resultado.
As avaliações podem ser feitas de forma direta e indireta. Janaína explica: “A direta é aquela que o profissional realiza dentro de um set terapêutico atividades que são mensuradas e elas dão um resultado. Essas atividades são as AVDs instrumentais e básicas. O próprio profissional olhando o idoso fazer aquela tarefa. A avaliação indireta é aquela que você pergunta para o familiar ‘sua mãe sabe fazer tal coisa?’ Você pergunta para ele como está a funcionalidade do idoso comparando a dez anos atrás. Essa maneira de fazer a pergunta diminui o viés e se aproxima da avaliação direta”.
Porque avaliar o cuidador?
“A avaliação direta é mais fidedigna na informação, porém ela é mais demorada. Não é em qualquer ambiente, principalmente serviços públicos, que você consegue. Precisa de um profissional treinado para aplicar. A indireta já não, ela é mais rápida. O cuidador que responde, você não precisa de treinamento muito grande, então ela é muito mais utilizada. Mas se você avalia de forma errada, ela pode sim trazer um erro de diagnóstico”, explica Janaína. “Um bom diagnóstico é a porta de entrada para os consultórios e para o tratamento da doença mesmo. Então saber se este cuidador, familiar estava vendo de fato como o idoso está, é um dos critérios para diagnosticar Alzheimer”.
Na maioria das vezes, a família é a primeira a perceber se o idoso está perdendo pouco a pouco a cognição. Essa visão precoce, que é a avaliação indireta, não é totalmente neutra, sendo influenciada pelo emocional dos que estão em torno do paciente. Janaína quis estudar quanto o psicológico do cuidador interfere no seu olhar sobre o idoso, e como isso pode atrasar ou adiantar o começo do tratamento.
“Ele não perceber que a funcionalidade do idoso tá ruim, implica não só no erro de diagnóstico mas na segurança dele em casa. ‘A meu pai tá bem, imagina não tem nada’. E deixa esse idoso ficar sozinho, que pode esquecer o fogo ligado, pode deixar a porta aberta e entrar alguém, esquecer a chave ou a carteira e ter problemas. Essa segurança é um dos fatores que me preocupava. A visão do cuidador é muito importante”.
Na metodologia do mestrado, primeiro os pacientes eram diagnosticados novamente, então passaram por uma avaliação com uma terapeuta ocupacional para analisar a funcionalidade. Dias depois, o cuidador, que em sua maioria eram mulheres, esposas e filhas, na faixa dos 59 anos, passavam por um ‘rastreio cognitivo’, para testar sua própria cognição, além de exames para medir estresse, depressão e ansiedade. Por fim, esses familiares respondiam quatro questionários indiretos, para responder sobre a funcionalidade do idoso.
As avaliações diretas dos pacientes com as indiretas dos cuidadores eram comparadas para descobrir se havia alguma distorção de percepção pelos familiares, enquanto o diagnóstico para outros doenças psicológicas e sobrecarga buscavam entender como estava sua saúde mental.
“As duas avaliações, direta e indireta, tiveram bons resultados e foram muito próximos. Mas acreditamos que na DA Leve poderia ter uma interferência deste cuidador. Já na DA Moderada, onde a dificuldade do idoso na funcionalidade é maior, fica mais evidente, então o cuidador consegue observar tal como ela realmente é”, explica Janaína. “DA leve é melhor fazer a avaliação direta para que não haja interferência da depressão, ansiedade e sobrecarga do cuidador”.
Convivendo com a doença de Alzheimer
As pesquisas no campo da doença de Alzheimer ainda não chegaram em uma solução para doença. Alguns remédios melhoram inicialmente os sintomas da demência, tornando a evolução mais lenta, mas esses benefícios vão se perdendo conforme a DA progride. Por enquanto, os profissionais se esforçam para manter o paciente tendo qualidade de vida por mais tempo possível.
O acompanhamento psicológico é essencial junto com a medicação. “Os tratamentos são na linha de fazer um treino cognitivo ou uma reabilitação cognitiva, para atenuar essa queda. Porque o declínio vai acontecer de qualquer forma, mas se pudermos diminuir ele, mantendo mais funcional, por mais tempo possível, quem ganha é o idoso e a família. Porque ele consegue ter mais qualidade de vida e a família junto, então a terapia ocupacional faz isso. Além de fazer orientação para o cuidador”.
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