A pesquisadora do Instituto Oceanográfico da USP (IOUSP) Vivian Pellizari está embarcada sobre o vulcão submarino Brothers, entre a Nova Zelândia e o arquipélago de Tonga, desde o dia 10 de maio. “Meu objetivo é buscar conhecimento sobre habitabilidade em ambientes geotermais. Vamos perfurar até 800 metros abaixo do assoalho oceânico (a superfície sólida no fundo marinho) e assim explorar os limites da vida microbiana”, inicia Pellizari.
Expedição 376
O International Ocean Discovery Program (IODP) é um programa que coordena expedições científicas marinhas pelo mundo. É uma colaboração — liderada pela National Science Foundation e pela Texas A&M University — de diversas entidades de pesquisa espalhadas por dezenas de países, incluindo a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).
A fundação vinculada ao Ministério da Educação financia o programa internacional desde 2013. Assim, o Brasil garante, dentre outros direitos, uma (até duas) vaga(s) para pesquisador local em cada expedição do navio de pesquisa JOIDES Resolution, o principal do programa internacional.
Pellizari foi a selecionada para a expedição 376, que possui outros três objetivos — mais relacionados à geofísica e à geoquímica — além do exposto pela brasileira.
Partido de Auckland no dia 5 de maio, o JOIDES Resolution é previsto de retornar em 7 de julho. Como publicado na proposta original da expedição, “a vantagem da perfuração é recuperar rochas da zona de transição entre o magma (no subsolo) e o ambiente hidrotermal”. O foco são os diversos aspectos, dentre os quais os microbiológicos, nesse processo transitório e nos que o precedem (abaixo do assoalho).
O Brothers Arc Flux
O arco vulcânico Kermadec-Tonga é uma cadeia de vulcões submersos entre os arquipélagos homônimos; o primeiro é neozelandês. É uma região com características de intensa atividade hidrotermal e magma rico em substâncias químicas com baixo ponto de ebulição, como o CO₂ e o enxofre.
A 1,2 km da superfície, encontra-se o cume do Brothers, o principal da cadeia. O vulcão abrange uma área por volta de 10 km². Dentre várias características as quais o destacaram no arco Kermadec-Tonga, possui um sistema múltiplo de fontes hidrotermais de diferentes composições e temperaturas, ampliando a possibilidade de estudo desses ambientes.
“O magma, e os metais dissolvidos, entram no sistema oceânico a partir de fendas como as fontes hidrotermais. Enquanto esses materiais vulcânicos saem, a água entra pelas mesmas fendas resfriando o sistema”, explica Diego Castillo Franco, que estuda um ambiente semelhante, o de Hook Ridge, na Antártica.
O doutorando de Pellizari complementa: “mas, a temperatura da água no mar profundo está, por exemplo, a 1 ou 2 ºC. Então, há um grande gradiente de temperatura nesse processo”. Além, a desgasificação do magma de arcos vulcânicos, segundo a proposta original, leva à “descarga CO₂ líquido e forma um ‘lago’ de enxofre no assoalho”.
A concentração tóxica de metais do magma (como cobre e zinco), o choque de temperaturas díspares e os fluidos muito ácidos (como o CO₂ e o ácido sulfídrico) contribuem para um ambiente inóspito. Mas, há vida lá. Microscópica.
Vida nos extremos
“Os microrganismos extremófilos são aqueles que sobrevivem em condições extremas, sejam de temperatura, de pH ou de salinidade, por exemplo. Há diversos parâmetros extremos e, consequentemente, diferentes extremófilos”, ensina Amanda Bendia, pós doutoranda de Pellizari.
“As estratégias adaptativas também dependem diretamente dos parâmetros do ambiente”, continua Bendia. Por exemplo, altas temperaturas desnaturam os componentes da célula. Também abrem a dupla fita do DNA, inutilizando-a. Membranas celulares mais rígidas (através de mais ligações de ácidos graxos) e enzimas de supertorção do material genético ajudam a contornar tais problemas.
Em baixíssima temperatura, ao contrário, para evitar rigidez total da membrana plasmática, os ácidos graxos que a compõem têm menos ligações duplas. Moléculas crioprotetoras evitam o congelamento da célula, enquanto enzimas reparam o DNA quebrado por recombinação do material genético.
Estudo e implicações dos extremófilos
No final da década de 1960, o microbiologista norte americano Thomas Brock descobriu uma bactéria termófila no Parque Nacional de Yellowstone, nos Estados Unidos. Foi o início das pesquisas sobre extremófilos.
A Thermus aquaticus possui uma enzima que viria a ser utilizada em uma das mais importantes técnicas na área da biologia molecular, chamada de reação em cadeia de polimerase.
Franco destaca importância da descoberta de 1977 em Galápagos. Afinal, revelou-se a existência das fontes hidrotermais e, consequentemente, a vida quimiossintetizante no fundo do mar. Embora não seja unânime sua classificação como organismo extremófilos, o foco da pesquisa de Franco em Hook Ridge são os genes envolvidos com a fixação de carbono em ausência de luz.
Desde então, os estudos têm progredido o suficiente para que dois jornalistas neozelandeses destacassem a possibilidade de se achar a cura do câncer e a origem da vida no planeta. A primeira ainda se encontra muito distante, mas a segunda não.
Amostras de extremófilos têm demonstrado o caráter ancestral desses microrganismos. “Nós comparamos as sequências de DNA, procurando alterações entre as espécies. Ao analisar as regiões de material genético conservadas, nós detectamos o grau de distância e, consequentemente, de ancestralidade”, explica Bendia. É a árvore filogenética.
Outra abordagem interessante é a astrobiologia, foco da ex doutoranda de Pellizari. O estudo da vida para além, no Universo, começa com a identificação das características dos diversos ambientes extraterrestres. Franco aponta para o fato da Terra possuir algumas delas: nos ecossistemas “extremos”. Embora nem todos sejam considerados análogos àqueles, muitos os reproduzem parcialmente.
Mas Bendia alerta para o fato da maioria dos extremófilos não só serem tolerantes a esses ambientes, mas requeri-los para sua sobrevivência. E, reproduzir em laboratório condições extremas para análise dos microrganismos vivos é muito difícil.
Extremófilos no laboratório
“Eu trabalho com métodos independentes de cultivo”, comenta Franco. É a principal forma utilizada para estudar esses organismos, pois não demanda a espécie viva. O pesquisador descreve que todo o material genético da amostra é extraído, sequenciado e analisado empregando ferramentas de bioinformática.
“Ao alinhar a sua sequência de DNA e compará-la com bancos de dados, o cientista identifica se aqueles genes pertencem a um ser extremófilo e se ele é conhecido ou não”, explica Franco.
Bendia revela que esse será o método preferencial para tratar das amostras coletadas pela professora na Nova Zelândia. Não só para identificar os extremófilos (através do método 16S), mas também para descobrir suas estratégias adaptativas e seus metabolismos (através do metagenoma).
Mas, é possível cultivá-los. “Eu cultivei microrganismos termófilos e psicrófilos (resistentes a baixas temperaturas) da Ilha de Deception ao longo de um gradiente de 98 ºC a 0ºC”, relembra Bendia. Um artigo científico será submetido ainda em junho. Embora não identifique a diversidade de espécies, os métodos de cultivo têm a vantagem de inferir os limites de viabilidade do extremófilo e suas estratégias de sobrevivência.
Os microrganismos no vulcão Brothers vivem em ambientes de alta pressão que são difíceis de serem reproduzidos em laboratório. É preciso equipamentos específicos que não existem no Brasil. Portanto, o cultivo das amostras coletadas por Pellizari, se ocorrer, deverá ser em colaboração com pesquisadores de outros países.
Franco finaliza com uma reflexão interessante: “São condições extremas para nós. Mas 70% da biosfera é mar; a proporção de vida no fundo do mar — com baixa temperatura, alta pressão e escassez de alimentos, e sem luz — é muito considerável. Será que eles são os extremófilos mesmo?”.
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