Durante décadas, a ararajuba (Guaruba guarouba) desapareceu dos céus de Belém. Entre 1940 e 1950, foram extintas na região metropolitana, por conta do desmatamento provocado pela urbanização. Em janeiro de 2018, após quase 70 anos, aves da espécie foram libertas, voltando a voar em seu habitat natural.
A ação faz parte do projeto “Reintrodução e Monitoramento de Ararajubas em Unidades de Conservação da Região Metropolitana de Belém”. O objetivo é reproduzir o pássaro em cativeiro para libertá-lo na natureza, devolvendo a espécie ao seu nicho ecológico. A pesquisa inédita é conduzida concomitantemente à parte empírica, sendo que a publicação acontecerá no ano que vem.
Uma parceria entre o Instituto de Desenvolvimento Florestal e da Biodiversidade do Estado do Pará (Ideflor-bio) e a Fundação Lymington de São Paulo, organização sem fins lucrativos que visa a conservação da natureza, resultou na iniciativa. Com a coordenação do professor Luís Fábio Silveira, Chefe da Divisão Científica do Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo (MZ-USP), responsável pelo desenho experimental, o trabalho entrou em vigor no meio do ano passado.
O processo
As etapas principais consistem na reprodução dos animais, na realização de exames com os filhotes, no transporte das aves para Belém, na aclimatação e, então, soltura. Luís Fábio conta que as ararajubas são mantidas em grandes viveiros na Fundação Lymington, onde se reproduzem, e os filhotes passam a ser preparados para soltura. Colocados em grupos, permanecem nos viveiros para treinar a musculatura de voo.
Após se acostumarem com o ambiente, devem passar por exames psicológicos, para avaliar se são muito associados ao ser humano, e fisiológicos, que envolvem capacidade de voo, musculatura e empenamento. Se aprovados, vão para o terceiro exame, o sanitário, em que são verificadas enfermidades, para que os bichos não carreguem as doenças do cativeiro para a natureza. Se passarem nos três exames, saem de São Paulo e vão para Belém, onde são preparados para a fase de reintrodução.
No Pará, os pássaros passam a habitar um viveiro de aclimatação do Ideflor-bio, onde começam a se habituar à natureza. “Coletamos frutos no mato e colocamos lá para eles conhecerem. Vão tomar chuva, tomar sol, ver os predadores, o gavião voando por cima”, diz o pesquisador. “Esses aspectos vão preparar o bicho para soltura”. Chega, por fim, a fase da libertação, seguida pelo monitoramento. Os animais são acompanhados pelo biólogo de campo, professor Marcelo Vilarta, mestre pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
O projeto já completou um ciclo de etapas, e está em vias de completar o segundo. Entre o fim de abril e o começo de maio, o segundo grupo de ararajubas será solto no Parque Estadual do Utinga, uma Unidade de Conservação em Belém administrada pelo Ideflor-bio, juntando-se ao primeiro. Outros animais serão reintroduzidos na Área de Proteção Ambiental (APA) da Região Metropolitana de Belém, APA do Combu, Refúgio de Vida Silvestre, na Alça Viária, e APA do Abacatal, em Ananindeua. “O objetivo é que as aves formem casais, e comecem a ter uma população autossustentável na natureza”, completa Luís Fábio.
A ararajuba
Considerada vulnerável (enfrenta alto risco de extinção na natureza) pela “Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas” da União Internacional pela Conservação da Natureza (IUCN), a bela ave ainda sofre com desmatamento e o comércio ilegal de animais silvestres.
Também segundo a IUCN, é estimado que, em até três gerações (22 anos), a ararajuba perca de 23,3% a 30,9% de seu habitat natural, e que sua população seja reduzida em pelo menos 30%. Em 2007, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência publicou que, de todas as apreensões do Ibama no Brasil entre 1999 e 2000, 82% dos animais comercializados eram aves. A estimativa é de que 4 bilhões de aves por ano sejam comercializadas ilegalmente. “É um papagaio, para começo de conversa. As pessoas gostam”, afirma Luís Fábio. “Um animal lindo, de um amarelo dourado muito intenso, com as asas verdes. Endêmico do Brasil, se desenvolve bem em cativeiro, o que atrai a atenção dos colecionadores.” Além disso, o habitat da ararajuba coincide com o arco do desmatamento na Amazônia, o que as afeta diretamente: árvores provêm moradia e alimento, além de utilizarem suas cavidades para fazer ninhos.
O desaparecimento da espécie causaria um impacto no ecossistema. O pesquisador ressaltou que, em primeiro lugar, servem de alimento para outros animais, predados principalmente por cobras e gaviões, e, em segundo, controlam a distribuição de sementes e frutos. A reintrodução da ararajuba significaria a reestabilização de um ecossistema: “trazer de volta um elemento da biodiversidade que foi perdido”. Luís enfatiza a importância dos museus como líderes em projetos de conservação: “Os museus têm um papel absolutamente fundamental nesses projetos no mundo inteiro, e o Museu de Zoologia também assume esse papel. Não apenas eu, muitos docentes também têm atuado na área de conservação.”
Todos esses motivos são relevantes para que um projeto como “Reintrodução e Monitoramento de Ararajubas em Unidades de Conservação da Região Metropolitana de Belém” nascesse, mas também há a questão do encanto em relação à ave. Antes de ser esquecida devido ao desaparecimento na região metropolitana, já foi símbolo do Brasil, por possuir as cores da bandeira. “A ararajuba é uma ave sensacional, superinteressante de trabalhar”, revelou Luís Fábio. “Nunca foi feito nenhum experimento com ela, então tem várias camadas de desafios interessantes.” Ele espera que, após concluído o projeto, pelo menos 30 pássaros resistam. Sob a proteção das Unidades de Conservação e Áreas de Proteção Ambiental, poderão dar continuidade à espécie e retardar, se não impedir, a redução da população de ararajubas.
Faça um comentário