O apagamento de Virgílio Maurício do campo artístico brasileiro

Pesquisa apresentada no Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) da USP retrata a trajetória do artista renegado por seus contemporâneos

Après le rêve [Depois do sonho], de 1912, exposto na Pinacoteca. Foto: Larissa Fernandes

O desejo de estudar nus femininos levou Gabriela Pessoa de Oliveira ao encontro do artista alagoano Virgílio Maurício. Em sua dissertação de mestrado, “Entre pinturas e escritos: aspectos da trajetória de Virgílio Maurício (1892-1937) em uma narrativa particular”, a pesquisadora apresenta a narrativa criada pelo próprio artista em meio ao processo de apagamento de seu nome.

As obras do pintor pertencem ao período de produção acadêmica do final do século 19 e início do século 20, renegada por correntes modernistas posteriores. Para essas correntes, os artistas considerados mais tradicionais não tinham conhecimento sobre as vanguardas. “Na verdade, eles iam para o mesmo lugar, Paris, circulavam no mesmo ambiente. Tentei tratar isso um pouco na chave da escolha: que Virgílio, de acordo com a sua formação, escolheu se associar a essa produção”, explica Gabriela, formada em História na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP.

As polêmicas em torno do apagamento de Virgílio não se limitam a rejeição de seu estilo artístico. Diferentemente de seus contemporâneos, ele não havia passado por escolas de artes ou ateliês. “Ele tem uma trajetória muito marginal, talvez, por isso mesmo tenha sido tão combatido dentro do cenário artístico brasileiro, porque é como se fosse um autodidata”, afirma a historiadora.

Diante da falta de uma trajetória formal, o pintor passa a ser questionado quanto à autoria de seus quadros, principalmente, após dois de seus nus terem sidos premiados na França no Salon da Société des Artistes Français, nos anos de 1913 e 1914.

Ao reconhecer que estava sendo empurrado para fora do campo artístico, Virgílio cria o seu próprio arquivo, no qual reúne diversos recortes de jornais em que seu nome é citado, a respeito de sua produção ou de eventos que organizava. Os jornais eram de vários lugares do Brasil e, até mesmo, de outros países, como da França, demonstrando o alcance do artista.

O Arquivo Virgílio Maurício, doado ao Centro de Documentação e Memória (Cedoc) da Pinacoteca, foi fundamental para que a pesquisadora descobrisse que Virgílio não era desconhecido em sua época, tendo sido bastante comentado na imprensa. Ainda que seja uma narrativa selecionada, possibilitou que o artista apresentasse a sua versão dos fatos.

Recortes de jornais selecionados por Virgílio Maurício – Acervo Cedoc/ Pinacoteca de São Paulo. Foto: Cleber Silva Ramos, 2017

Além de pintor, Virgílio Maurício atuava como crítico de arte e possuía formação na Medicina. Durante a sua carreira, centralizou os seus estudos na figura da mulher, tanto do ponto de vista da medicina, quanto em suas pinturas. Seu interesse nesse tema se pautava em ideais eugenistas, com foco na saúde e higiene da mulher para a construção de uma sociedade física e moralmente sadia.

O estudo sobre Virgílio contribui para a recuperação de grandes debates no cenário artístico brasileiro, como sobre o que é ser um artista e a própria recepção dos nus no país, afirma Gabriela.

 

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