Pesquisa do Instituto de Geociências da USP é a primeira a identificar mudanças climáticas que foram responsáveis por mudanças da paisagem no semiárido brasileiro. O estudo foi realizado no Parque Nacional da Serra da Capivara (PNSC) no Piauí, região que é um dos registros mais antigos do homem na América e um patrimônio da humanidade reconhecido pela Unesco, possuindo mais de 1,2 mil sítios arqueológicos cadastrados. A ocorrências de lagos efêmeros e a descoberta de fósseis em apenas alguns deles foram o ponto de partida para a pesquisa.
A população local, ao cavar poços manuais para obtenção de água durante a época das secas, encontrou inúmeros fósseis que foram identificados como de megafauna, como por exemplo, preguiças gigantes. O objetivo do estudo foi, então, identificar a origem desses lagos e o motivo de muitos resquícios de fósseis se encontrarem apenas em alguns deles.
Em sua tese de doutorado, Registro sedimentar quaternário na Bacia do Rio Parnaíba, Piauí: um estudo multi-indicadores voltado à investigação de mudanças climáticas, Vinícius Ribau Mendes usou uma técnica já trabalhada por ele anteriormente: estudar a relação entre mudanças climáticas e a paisagem. “No meu mestrado estudei campos de dunas e a relação entre mudanças climáticas e a paisagem, como que a mudança na chuva e no vento altera os campos de dunas, na região de Florianópolis. Então usei essa mesma ideia, comecei a estudar como as mudanças no clima afetavam essa paisagem”.
Verifica-se que no período de cerca de 17 mil anos atrás, chovia muito mais em quase todo o Brasil. Esse é um evento climático histórico já reconhecido no mundo inteiro, mas nunca havia sido feito nenhum estudo sobre esse efeito no semiárido. Aplicando essa ideia e analisando a bacia hidrográfica do Rio Parnaíba, a pesquisa criou um modelo para mostrar que os atuais lagos eram, na verdade, rios permanentes há milhares de anos. Quando as chuvas se tornaram mais escassas na região, os rios foram secando e os lagos se formaram dentro deles. Nesse período, os ossos se acumularam no leito devido a empecilhos geográficos, como rochas, que desacelevaram o rio e permitiam a acumulação dos fósseis. Com isso, cria-se a ideia de que “o semiárido nem sempre foi semiárido”.
Vinícius acredita que a funcionalidade do modelo pode ser aplicada em outros lugares do mundo. Ele mapeou outros locais semiáridos no globo e encontrou formas parecidas em imagens satélites em todos os locais do mundo e pretende estudar isso em futuras pesquisas. “Dá a impressão de que isso que acontece no nosso semiárido, acontece em qualquer lugar do mundo”.
A pesquisa inicial, segundo ele, serve agora de pano de fundo para demais estudos sobre a região. Arqueólogos e paleontólogos podem fazer a relação de como as mudanças climáticas e aumentos de chuva influenciaram em mudanças de povoamento. “A gente fez a base para eles entenderem como que esses animais e esses seres humanos se relacionaram com a paisagem”.
Indicador de clima
A análise foi estendida ao longo do curso do rio Parnaíba, da metade para a foz, até quase o litoral. Com parceria com um grupo da Alemanha, estudou-se um testemunho marinho, que foi coletado a mil metros de profundidade por um projeto internacional que pesquisa o fundo do oceano. Os estudos em regiões semiáridas são poucos e difíceis de serem realizados devido à erosão que ocorre no continente. Já no oceano, acontece o contrário: não se perde muita informação e os registros históricos são mais facilmente identificados. “A gente queria ver se todas as mudanças que a gente via na bacia hidrográfica, por toda essa área do rio, estavam registradas lá [no oceano]”.
Esse estudo possibilitou o desenvolvimento de um novo indicador de clima, diretamente proporcional com a chuva e que permite concluir informações muito mais precisas. “Agora vamos testar em outros lugares do mundo”.
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