Metodologia desenvolvida para trens de alta velocidade pode ser replicada nos transportes rodoviário e metroviário

Estudo comprova a importância da análise dinâmica para construções civis

Fonte: Luso Notícias

Com Juscelino Kubitschek, o Brasil desenvolveu fortemente o modal rodoviário (que envolve características logísticas até de infraestrutura, como pavimentação). Por conta disso, além da herança das ferrovias de café, pouco foi o investimento em trens, quanto mais naqueles de alta velocidade. Ainda assim, para aqueles que compõem a malha brasileira, um grande obstáculo é a movimentação sobre pontes. Para isso, a maioria dos estudos e aplicações partem de uma análise estática (com os objetos parados e em equilíbrio), situação bem ultrapassada não só frente a realidade de outros países, como quanto à evolução estrutural mais esbelta (ou seja, menor probabilidade de encurvar) e aos novos materiais empregados na construção das pontes. Como comenta Pollyana Gil Cunha Amaral, doutoranda de engenharia de estruturas, pela Poli, “você é cobrado nos escritórios por uma análise dinâmica [na qual já se estuda a relação de força e movimento], e a maioria dos engenheiros tem um certo receio, porque não tem uma formação adequada na área”. Sua pesquisa, pioneira no Brasil, se propôs a apresentar uma metodologia que pudesse ser utilizada pelos escritórios de projeto, de forma que eles não precisassem gastar um tempo a desenvolvendo.

Um trem de alta velocidade é aquele que consegue atingir velocidades de operação superiores a 250 km/h. Mas esse número pode chegar até 400 km/h, na China. Hoje, como país que mais se destaca na área, existem, entre linhas já em operação, em obras e em planejamento, pouco menos de 13.000 km de extensão da rede. Também como país com dimensões continentais, o Brasil poderia reduzir custos, tempo e segurança de transporte, além de oferecer menores consequências em termos ambientais, devido a baixa emissão de gases nocivos. “Hoje em dia, as nossas pontes estão muito abandonadas”, avalia Amaral. “O Brasil está longe de ter uma malha ferroviária na proporção que precisaria”.

De qualquer forma, para que a metodologia pudesse ser desenvolvida, a pesquisadora precisou considerar uma série de parâmetros. Diferentemente dos trens comuns, os de alta velocidade, por serem mais rápidos, acabam excitando mais a estrutura, o que gera um efeito dinâmico mais acentuado. É preciso considerar também se a ponte entraria em ressonância (quando um sistema alcança uma freqüência igual a uma de suas freqüências naturais de vibração, e com isso começa a oscilar cada vez mais forte até ruir, como a do célebre caso da ponte Tacoma Narrows, nos EUA). Outra característica muito importante é o lastro, que são normalmente pedras britadas preenchendo o espaço entre trilho e chão que, conforme o trem passa sobre, tem a função de estabilizar o sistema contra deslocamentos. Em termos práticos, você tem que conhecer como o comboio se comporta sobre o ponto de vista do amortecimento. “Num trilho que não tem lastro, a estrutura é muito mais rígida do que quando um trem entra numa região de solo. Ou seja, você tem diferenças de propriedades de materiais”.

Fonte: Dormentes de Eucalipto

O problema, segundo a pesquisadora, é que vários desses dados são de difícil acesso. “O trem tem, do ponto de vista dinâmico, graus de liberdade, que são os movimentos que ele pode ter”. Como continua exemplificando, “para ele se deslocar na direção horizontal, eu tenho que ter uma mola e um amortecedor nessa direção, que existe no trem. Só que você não acha em bibliografia”. Para tanto, elae recorreu à ajuda de pesquisadores portugueses, que forneceram dados de trens europeus. No entanto, ela ressalta que “é lógico que é importante trabalhar com um projeto compatível, mas a ideia é apresentar a metodologia”, que será a mesma, independentemente do modelo e universo analisado.

Tendo os parâmetros em mãos, Amaral aplicou um modelo de iterações. Em cada uma das etapas (iteração), repete-se uma ou mais ações, com o propósito de se obter uma conclusão do ensaio. No estudo em caso, a doutoranda trabalhou com a relação comboio-estrutura de forma desacoplada e, a partir de softwares comerciais de análise, aplica um perfil de regularidade. Em outras palavras, à medida que o trem vai passando sobre os trilhos, ele se depara com uma série de irregularidades, como a própria deterioração do material, que vão excitando o trem. O perfil nada mais é que as irregularidades que o trem vai encontrar em seu caminho e que, ao final, estabelecem as forças de interação entre comboio e estrutura.

Numa segunda iteração, o deslocamento do trem também precisa ser considerado e, aqui, a análise já é menos pontual e mais conjunta. Numa outra iteração, esses fatores são aplicados às rodinhas do trem. Em linhas gerais, a cada nova iteração, analisa-se aspectos diferentes do sistema que, se apresentarem uma mesma resposta quando comparados, apresentam com mais precisão o comportamento do trem frente aos parâmetros adversos do seu trajeto. Com essas informações, um engenheiro pode saber, por exemplo, quais, onde e como um material precisa ser montado para que o sistema funcione sem dificuldades.

Com isso também, a pesquisadora pôde testar diferentes cenários, a fim de sistematizar os limites e eficiência de cada parâmetro. Por exemplo, “numa ponte extensa de vão largo (intervalo entre dois pilares), você percebe que os efeitos dinâmicos são bem menores do que numa ponte de vão menor”. Da mesma maneira, foi possível verificar os níveis de conforto, que é medido pela aceleração vertical que o passageiro percebe no interior do trem. “As acelerações que eu obtive são realmente muito baixas”, o que denota um conforto muito bom, mas complementa: “É claro que pra ter essa qualidade, é preciso uma manutenção adequada dos trilhos, de uma execução bem feita”.

Fonte: Pollyana Gil Cunha Amaral

E aqui também a metodologia pode ser adaptada para outros tipos de vão ou para se obter outros índices de conforto. No entanto, Amaral comenta que a pesquisa vai bem além, já que o raciocínio desenvolvido poderia ser aplicado até mesmo aos modais rodoviários e metroviário. Essa é, na verdade, a maior vantagem de uma análise desacoplada, pois a lógica substituiria apenas o comboio por um veículo. “Você tem que pegar os parâmetros de amortecimento compatíveis a um veículo. Não há mais trilho ou lastro, mas existem imperfeições do pavimento, que você considera”.

Ela também discute que a metodologia é passível de erros, já que o volume de informação é muito grande. “Não é simplesmente pegar daqui e jogar ali, você tem que trabalhar a informação e colocar na próxima etapa”. O processo até poderia ser automatizado por rotinas de programação, mas como comenta, “é difícil porque você tem que programar”. Mesmo assim, o salto que uma análise dinâmica tem de uma simples normatização, feita na análise estática por um coeficiente de impacto, é gigantesco. Em alguns casos, como prescrito na seção sobre pontes do Eurocode, uma análise estática bastava, mas fazendo uma estática, os resultados apenas reforçaram o que era dito na norma, o que foi bastante positivo.

Pensando na realidade brasileira, Amaral lamenta a deficiência da legislação do país. “Como no Brasil não se pede uma análise dinâmica, para que preciso gastar tempo e investimento, algo que precisa ser considerado por uma empresa? [Se alguma coisa der errada lá na frente], estarei respaldada pela lei, não estarei fazendo nada errado”. Por fim, ela levanta que estudos futuros poderiam analisar a influência dos parâmetros na análise dinâmica. “Nesse estudo, peguei uma ponte que tem lastro e tirei ele. [Com isso,] vi que os efeitos acabam se amplificando para alguns resultados”. Por ora, basta ter provado a importância da análise dinâmica, numa construção da engenharia, para uma melhor segurança e economia futuras.

Seja o primeiro a comentar

Faça um comentário

Seu e-mail não será divulgado.


*