Pesquisa aponta as vantagens da indústria 4.0 para o desenvolvimento brasileiro

Quarta revolução industrial atinge do agronegócio à medicina

Fonte: Yogesh Jiandani

Após três revoluções industriais (carvão, eletricidade e eletrônicos), vivemos hoje uma quarta baseada em tecnologias habilitadoras, ou como Marcelo Teixeira de Azevedo, doutorando do Departamento de Engenharia de Sistemas Eletrônicos, da Poli, define em sua tese, a “aplicação da tecnologia digital em todos os aspectos da sociedade humana”. Essa transformação, no entanto, não se dá apenas pela “adoção de novas tecnologias, mas também de [utilizá-las para encontrar] novas maneiras de tornar os negócios mais eficientes e competitivos”. Tema principal do Fórum Econômico Mundial do ano passado, em Davos, a quarta revolução industrial é, segundo o pesquisador, “uma questão geral, que modifica a economia, a comunicação, a forma de relacionamento, e até mesmo a nossa biologia”. Num universo tão amplo, sua tese tem como foco as consequências e oportunidades que essas mudanças trarão mais especificamente à indústria de utilities (ou serviços públicos).

Fonte: Wikipedia

Ainda pouco conhecido no Brasil, a indústria 4.0, como foi cunhada na Alemanha, ganhou expressão no mundo em 2015. A partir daí, modelos similares foram desenvolvidos nos EUA e Japão, começando agora a entrar no território brasileiro. Apesar de suas particularidades, todas buscam um mesmo propósito: aumentar a produtividade por meio das tais tecnologias habilitadoras. Elas, por sua vez, ultrapassam a simples automação pela capacidade de captar e interpretar informações, comunicarem-se entre si, e assim, agir em conjunto. Algumas das mais importantes são a Internet das Coisas (Internet of Things, IoT), a Computação em Nuvem (Cloud Computing, CC) e o Aprendizado de Máquina (Machine Learning).

A IoT, por exemplo, seria, em uma definição minimalista, a capacidade de “coisas”, ou sensores, se comunicarem através de qualquer tipo de rede com aplicações, de forma a trabalharem de maneira eficiente. Uma aplicação prática, segundo o doutorando, seria “ter um sensor que mede a umidade da terra, solo e temperatura, e com esses dados, ter uma irrigação mais eficiente − ou seja, não [seria necessário] irrigar de quatro em quatro horas”. Já num nível de infraestrutura, o CC trata de coletar todos os dados capturados pelos sensores, e armazená-los, para que outros equipamentos possam acessá-los, na nuvem. Esse processo ainda envolve o armazenamento de dados (big data) e a análise e extração de informações (analytics). Por fim, o Machine Learning será onde esses dados serão interpretados para que uma ação possa ser tomada. No mercado bancário, por exemplo, “os valores de ação são coletados durante 10 anos e tenta-se prever qual será o comportamento dela daqui um ou dois anos”. Desse modo, sem ser expressamente programado, essa tecnologia se autorregula baseado nas informações contidas em seu banco de dados, como um programa de inteligência artificial.

Ainda que os três momentos (sensoriamento, armazenamento e interpretação/atuação) sejam pontuais − como de fato eram até a terceira revolução −, na indústria 4.0 esses processos deixam de funcionar em etapas, para se tornar mais interligados e colaborativos. Frente a variáveis sempre novas, a adaptação do sistema é constante e, assim, é possível obter a melhor resposta possível. Por isso, Azevedo ressalta a importância de que se considere “todo o contexto, da geração da informação à interpretação”, ou em escala maior, “da extração à chegada do produto ao usuário final”.

Fonte: i-SCOOP

Desde que as tecnologias começaram a ser desenvolvidas, houve quem tentou aplicar o modelo de sucesso da Alemanha no Brasil. No entanto, Azevedo explica que as soluções lá encontradas visavam resolver os problemas de sua realidade. “Não é simplesmente um ‘de, para’. É preciso conhecer onde somos fortes, como na exportação de commodities, na indústria aeronáutica”. E é por isso que ele acredita que, por mais que o governo esteja, através do BNDES, fomentando o desenvolvimento 4.0, não adianta “atacar o problema sem conhecê-lo antes, precisa ser algo muito bem planejada, para não se criar problemas que antes não existiam”. E continua: “Por estar no começo, [é preciso] entender esses problemas e se adaptar”. Uma vez consolidado, talvez isso já não seja mais possível.

Para isso, é preciso um esforço conjunto entre governo, iniciativa privada e universidade. Ao que cabe a Azevedo e muitos outros pesquisadores é rascunhar definições e provas de conceitos que possam ser futuramente aplicadas na indústria. Como parte de seu doutorado, Azevedo entrevistou uma série de empresários e produtores, a fim de saber se eles tinham conhecimento dessas novidades: o resultado foi majoritariamente negativo, e quando não, achavam que ou era algo específico para um determinado nicho, ou que não tinha ganhos práticos. Se em um dos maiores polos de produção do país as tecnologias habilitadoras ainda são pouco conhecidas, não é exagero assumir que isso também seja realidade em escala nacional. Em resposta a isso, o pesquisador montou centros de capacitação, num primeiro momento na USP, mas que espera expandir para a comunidade em geral. “O Brasil precisa repensar a formação do profissional. Lá fora, [existem] modelos de ensino voltados para a resolução de problemas. Os conceitos vêm depois de se resolver o problema”.

Fonte: Marcelo Teixeira de Azevedo

Mesmo se tratando de tecnologia de ponta, os benefícios também podem ser empregados pelas pequenas empresas. Ainda que o custo de aplicação seja alto (principalmente para instalação da infraestrutura), a longo prazo o rendimento e a produtividade compensam os gastos iniciais. Por outro lado, o doutorando levanta o questionamento de que algumas indústrias ainda se encontram na segunda revolução − como aquelas que, utilizando parte da mecanização, apenas embalam um produto, sem tirar inteligência do processo. “Seria interessante migrar já para quarta, ou num step-by-step, migrar para a terceira, e só assim para quarta?”. De qualquer modo, como evidencia em sua tese, os ganhos de uma quarta revolução são múltiplos. “Utilizar os produtos de maneira mais eficiente, sem erros, extraindo inteligência e até mesmo oferecendo novos produtos”.

Ainda como parte da pesquisa, Azevedo tentou aplicar essas ideias num estudo sobre as perdas por vazamento de água − uma das principais indústrias de utilities de qualquer cidade grande. Segundo estudo internacional de redes inteligentes, cerca de 40% de água é perdido apenas em vazamentos. Se pensarmos em capitais como São Paulo, que sofrem sazonalmente com problemas de abastecimento de água, ter-se-ia aqui uma grande reserva. Além disso, o número torna-se ainda mais alarmante quando tecnologias como as citadas poderiam levar o índice a perto de zero. Analisando “os dados históricos, com uma técnica de Machine Learning, [é possível] prever futuros vazamentos, através [dos índices de] vazão, fluxo, comportamento de uso e alguns parâmetros específicos”. Ele também prevê que, no futuro, vazamentos domésticos podem ser identificados muito mais rapidamente, com o próprio sistema contatando um técnico para o reparo. “O usuário conseguiria, através de um aplicativo,  controlar a vazão, o nível, o consumo, e até mesmo, a qualidade da água”. Precisaria haver um investimento de infraestrutura para inserir sensores nos encanamentos, mas posteriormente, isso poderia até mesmo controlar a distribuição de água, desviando-na para onde tivesse um maior déficit.

Ainda na fase de simulação, o próximo passo seria aplicar isso num ambiente representativo, mas controlado, como a própria USP. “É uma cidade universitária. Tem consumo de água, energia, catraca eletrônica. Talvez um pequeno espaço, sala, prédio, ou departamento, para realizar a experimentação com sensores reais”. Ele ainda comenta que, como o tratamento de água em grande parte das capitais é de concessão privada ou público-privadas, será necessário conversar com a iniciativa privada. De qualquer forma, o exemplo da água ilustra o impacto que essas tecnologias podem ter na sociedade.

Por fim, Azevedo ainda pondera sobre algumas desvantagens: security e safety. Traduzindo-as, o sentido até pode parecer o mesmo, mas elas são na verdade bem diferentes. Uma vez que todo o armazenamento sairia das sedes das empresas e passaria para a nuvem, uma preocupação muito relevante reside em quem teria acesso a essas informações. Num tempo de cyber-guerra, em que pessoas tentam invadir segredos de outros países, aqui se trata de “dados críticos, informações estratégicas e até de negócio, gerados a cada segundo, que precisam ser protegidos (security)”. Já com relação ao safety, robôs começam a dividir o mesmo espaço de trabalho com humanos. “Hoje, no Brasil, não é permitido que o robô trabalhe com pessoas. Estas, [por sua vez], ficam em gaiolas”, e completa, que para haver um melhor aproveitamento, “tem que haver também uma mudança na legislação brasileira para se permitir isso”.

Longe de serem resolvidos, esses são questionamentos que só crescerão conforme essas tecnologias começarem a ser mais empregadas no nosso dia-a-dia. Será, então, cada vez mais necessário que estudos sejam feitos no assunto. Mesmo assim, esses são pontos menores se comparados aos avanços que a indústria 4.0 poderá trazer ao país. E como o doutorando conclui, “aqui está uma grande oportunidade para o Brasil florescer e crescer. Bater de frente com países como Alemanha, EUA e Japão. Ser competitivo e criar produtos”.

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