Em um mundo cada vez mais imagético, onde desde a relação com o próximo até a obtenção de informações costumam passar pela via visual, pessoas cegas tendem a ser excluídas deste acesso às imagens. Não somente isso, à estes sujeitos fica dificultada uma perspectiva crítica sobre aquilo que está retratado, já que a História, como disciplina que “tem uma importância no sentido de formar um cidadão e fazer refletir sobre tudo o que está acontecendo”, conforme pontua Gabriel Bertozzi de Oliveira e Sousa Leão, acaba se utilizando de aspectos visuais, tais como obras de arte e filmes, enquanto documentos históricos que dão suporte para sua função educativa.
Foi a partir destas reflexões iniciais que Leão pensou sua dissertação de mestrado, defendida em 2017 na Faculdade de Educação. Aprovada com distinção pela originalidade, a pesquisa faz uma análise do uso de imagens no ensino de história para alunos cegos de escolas públicas, pensando também através da perspectiva de uma educação inclusiva, “que seja para todos, no sentido de pensar na necessidade de cada um”, além de propor uma abordagem multissensorial à ser aplicada em sala de aula, tanto para o ensino de História quanto para outras disciplinas.
A pesquisa iniciou-se com um estudo abrangente sobre o ensino de história para alunos cegos no Brasil no século 19. Assim, Leão debruçou-se sobre documentos do Arquivo Nacional, de modo a entender a organização do Imperial Instituto de Meninos Cegos e comparar seu currículo e diretrizes pedagógicas com os do Colégio Pedro II, ambos localizados no Rio de Janeiro, principalmente acerca de seus usos da imagem iconográfica no ensino de História.
Em seguida, Leão trouxe a problemática para a atualidade, começando uma pesquisa de campo em duas turmas do 7º ano de escolas municipais de São Paulo que tinham alunos cegos matriculados, bem como dos Atendimentos Educacionais Especializados (AEE), um apoio oferecido no contraturno para crianças com deficiência visual, com professores especialistas no ensino de braille, autonomia e outros suportes educacionais. Esta fase da pesquisa contou, inicialmente, com um período de observação das aulas de História e nos AEE e de entrevistas com os docentes responsáveis.
Ainda que a escola esteja mais preparada para a recepção destes alunos cegos, proporcionando, por exemplo, impressoras em braille, muitos dos professores normalmente não tem uma vivência no ensino de pessoas com deficiência visual e vários problemas nas estruturas educacionais resistem, de modo que ainda existem falhas. Assim, notando que “não havia uma atividade realmente inclusiva em que os professores usassem imagem para o aluno com deficiência visual”, na terceira fase, Leão interveio em seu campo de pesquisa, propondo duas aulas de História em cada uma das escolas, em que trouxe uma abordagem multissensorial, ou seja, “o ensino sem hierarquização dos sentidos”.
Para estas aulas, o pesquisador trabalhou com duas imagens diferentes, escolhidas pelos professores, para pensar na “exploração dos outros sentidos, além do visual e do oral, como vias de acesso ao conhecimento”. Pensando na realidade das escolas públicas, ele trouxe materiais e recursos básicos, que pudessem ser utilizados futuramente pelos docentes: em um primeiro momento, levou objetos que aparecessem ou fossem semelhantes àqueles dos quadros trabalhados e permitiu que os alunos fossem estimulados tátil, sonora e olfativamente; depois, usou a metodologia da audiodescrição para revelar informações visuais da imagem e, por fim, levou aos alunos uma reprodução tátil da obra de arte, feita com papelão, papéis com diferentes texturas, tinta relevo e outros materiais. Além disso, durante a discussão sobre o que havia sido realizado, proporcionou aos alunos textos escritos tanto em tinta quanto em braille.
Leão afirma que, na atual estrutura educacional brasileira, ainda é complicado manter um uso imagético inclusivo nas aulas de História, especialmente porque no dia a dia, mesmo que não deliberadamente, muitos alunos com deficiência visual acabam passando por situações de exclusão. Contudo, defende, além da abordagem multissensorial, uma integração entre escola, Estado, família e professor, com utensílios e disponibilidade de profissionais preparados, políticas de saúde pública voltada para a deficiência visual, formação básica e continuada de docentes para o contato com alunos com deficiência, entre outros pontos, de modo a criar uma rede de apoio para que este atinja um bom desempenho escolar. “Acho que o importante é que o aluno cego tenha a possibilidade de interagir da mesma forma que os outros”, explica. “É algo difícil a se pensar, principalmente no contexto das escolas que temos. Mas realmente espero que a pesquisa tenha algum retorno, e que professores e colégios possam utilizar essas informações que eu trouxe para a prática”.
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