Meios digitais prejudicam desenvolvimento saudável de crianças

Segundo especialista, TVs, computadores, videogames e smartphones são mais prejudiciais que benéficos durante a infância e adolescência. Crédito: iStock

Graduado originalmente em Engenharia Eletrônica pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), o professor do Departamento de Ciência da Computação do Instituto de Matemática e Estatística da Universidade de São Paulo (IME-USP), Valdemar Setzer, dedicou boa parte da sua vida estudando a área para poder criticá-la por dentro, alertando a respeito dos malefícios dos meios digitais, especialmente em relação à educação, aprendizagem e desenvolvimento de crianças e jovens. Com dezenas de artigos publicados sobre o assunto e pesquisas científicas corroborando com seu ponto de vista, Setzer acredita que os meios eletrônicos como TVs, computadores, videogames e smartphones são mais prejudiciais que benéficos durante a infância e adolescência, período de crescimento, amadurecimento e formação.

“Todos os meios eletrônicos aceleram indevidamente o desenvolvimento intelectual e psicológico, causando sérios distúrbios. O amadurecimento de uma criança deve ser muito lento e gradativo”, afirma Setzer. A explicação para essa aceleração é fato de que meios digitais são construídos em cima de linguagem de programação e lógica que exigem, por meio de sua interface, que a criança raciocine e responda aos estímulos de forma exata, como a linguagem binária dos computadores, barrando seu pensamento vagos, imprecisos e criativos, extremamente importantes durante a fase de desenvolvimento.

No caso específico da internet, Setzer aponta três efeitos negativos na formação da criança. O primeiro é o perigo da dependência: estima-se que entre 10% e 20% dos usuários tornam-se viciados, superando alguns índices de vício em drogas. O segundo ponto de alerta é a intensificação da exposição a pessoas mal intencionadas que se aproveitam para obter informações da criança ou do adolescente. Em terceiro lugar fica a liberdade total de acesso ao que é inconveniente para a idade, como pornografia e violência. “Crianças e jovens não devem ter liberdade total em nada, devem ser sempre orientados”, ressalta.

A TV e os meios que se baseiam na exibição de imagens em movimento induzem a desatenção e a sonolência. “O padrão dos movimentos é muito rápido na TV há mudanças na imagem de 15 a 25 vezes por minuto e, dessa forma, fica impossível pensar em cada imagem ou imaginar algo diferente”, afirma. O professor ressalta que a TV é utilizada erroneamente como uma substituta dos livros. “Para ler, é necessário prestar atenção em cada parágrafo e imaginar: os personagens, o ambiente, a trama, entre outros. A TV, por outro lado, não é essencialmente informativa, mas condicionadora”, pontua.

Setzer, no entanto, não condena o uso do aparelho de TV na sala de aula para realização de demonstrações. Nesse caso, há duas condições essenciais: os filmes devem ser mostrados no máximo durante três ou quatro minutos, desligados e discutido. Em seguida, deve-se repetir o trecho visto e discutir novamente os detalhes. Somente depois disso deve-se passar para o próximo trecho curto. “Assim o que foi visto vai para o consciente, transformando-se em informação e não em flashes desconexos”, reforça. A segunda condição é a idade mínima das crianças. “A partir, somente, do sétimo ano. Antes disso, muito mais importante do que ver imagens é imaginar”.

Os videogames de ação e reação são muito piores do que a TV, segundo os estudos do professor, pois tornam as execuções meramente mecânicas. “Nesse tipo de jogo, se o jogador pensar em cada movimento que deve fazer, é ‘morto’ pelos inimigos”. Os jogos violentos nasceram como necessidade de deixar os soldados do exército americano menos sensíveis e empáticos: um soldado empático acerta 20% dos tiros, ao passo que um dessensibilizado acerta 90%. Posteriormente, a Nintendo começou a vender esses simuladores de guerra como jogos, produzindo o mesmo efeito em seus jogadores.

O professor aponta medidas radicais para combater os prejuízos causados pelos meios digitais. Dentre elas estão: bloquear o acesso, a menos que na presença dos pais e professores; adiar o contato com os meios tecnológicos que estão sendo apresentados às crianças cada vez mais cedo; controlar tempo, momento e local de utilização desses meios, não permitindo, por exemplo, o uso de aparelhos no dormitório da criança sendo essa uma recomendação da American Academy of Pediatrics.

Setzer acredita que qualquer impacto positivo da tecnologia no desenvolvimento de uma criança é ultrapassado pelos negativos. “Em uma de minhas palestra um senhor disse que seu sobrinho havia aprendido inglês jogando videogames violentos. Minha resposta foi: não há um outro meio mais saudável de aprender inglês? É preciso ter muito cuidado com aparentes efeitos positivos divulgados por pesquisas pouco embasadas e que não levam em   conta prejuízos globais causados especificamente no desenvolvimento da criança e do adolescente”.

4 Comentário

  1. Peço desculpas pela possível banalidade da pergunta, visto que desconheço por completo o assunto, assim como os trabalhos do autor. No entanto, mantendo as demais variáveis inalteradas, (como os impactos da televisão e do acesso antecipado à internet) o impacto de videogames não seria benéfico para as crianças em termos de capacidade cognitiva em conjunto com a criatividade? Acredito que no passado efetivamente os efeitos eram negativos, pelo mesmo comentário feito pela matéria aqui do site, com a justificativa de que as respostas aos jogos eram binárias, invalidando a criatividade. Já hoje a complexidade de resposta aos jogos é inmensurável, sendo que são raros aqueles em que o jogador é limitado na construção de suas aventuras, dando maior espaço para o desenvolvimento criativo, além de uma necessidade de respostas rápidas a problemas complexos.

    Gostaria de agradecer a atenção!

    • Olá Júlia,
      Sinto muito, somente hoje (10/8/17) fiquei sabendo que a entrevista tinha sido publicada e li os comentários.
      Não existe nada 100% positivo ou 100% negativo no mundo. Logo no fim, eu cito o que ouvi de uma pessoa em uma de minhas inúmeras palestras: o sobrinho tinha aprendido inglês jogando video games violentos. Mas imagine o prejuízo que essa criança teve: foi altamente dessensibilizada socialmente, pois essa é a origem dos games violentos. Isso foi comprovado por inúmeras pesquisas, por exemplo uma de Bushman e Anderson (2009), mostrando que games e filmes violentos produzem uma imediata perda de sensibilidade social, de empatia. A humanidade já desenvolveu a sensibilidade para a liberdade e para a igualdade (o maravilhoso movimento atual pelos direitos humanos). O que precisamos agora desenvolver é uma sensibilidade para a fraternidade, a solidariedade. Aí, como sempre, aparecem forças contrárias à evolução da humanidade, tentando eliminar e empatia necessária para isso. Além disso, aquela criança ela deve ter ficado horas sentadas usando os games, e provavelmente não ficou nisso, deve ter visto milhares de horas de TV, e usado um monte de internet. Tudo isso sentada, sem se movimentar, o que é péssimo para crianças e adolescentes: o excesso de peso e obesidade está aumentando nelas exponencialmente, com terríveis consequências futuras. Veja meu artigo “Efeitos negativos dos meios eletrônicos em crianças, adolescentes e adultos” para muito mais efeitos trágicos.
      Alguém poderia dizer: “você só fala em efeitos negativos, e os positivos?” O caso é que praticamente em toda esquina ouve-se oba-oba sobre os meios eletrônicos, especialmente na educação (são pessoas vendendo software e hardware, ou escolas vendendo vagas, ou ignorância da literatura científica). Alguém tem que mostrar os efeitos negativos, para que se possa refletir e encontrar a própria solução. Veja os artigos em meu site (basta fazer uma busca com meu nome); lá está meu endereço de e-mail.

  2. Já criticaram os livros, os quadrinhos, a TV, os jogos digitais… Mas o meio nunca é o problema.. no máximo os conteúdos que veiculam, os quais atendem às demandas dos consumidores. Bem, então talvez o problema sejam os consumidores. Solução: educação!
    Precisamos educar para as mídias. Não sem as mídias!

  3. Olá, Romero,
    Infelizmente, os meios são o problema. O famoso comunicólogo Marshal McLuhan disse uma vez “a mensagem está muito mais para o meio do que para o conteúdo.” Toda tecnologia tem efeitos negativos. Por exemplo, a TV comercial coloca os telespectadores em estado de sonolência, semi-hipnótico, independente do conteúdo. Por isso houve um casamento perfeito entre TV e propaganda. É preciso reconhecer os efeitos negativos e colocar as tecnologias em seu devido lugar, onde elas podem ser usadas positivamente. Veja meu artigo “A missão da tecnologia” em meu site. Sim, a solução é a educação, mas infelizmente os meios eletrônicos usados na educação fazem com que crianças e adolescentes passem a admirar profundamente a tecnologia, ficando fascinados por ela, e não desenvolvem a capacidade de criticá-la.

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