Desde o surto de zika vírus no Brasil em 2015, que foi acompanhado pela grande quantidade de casos de bebês com microcefalia, inúmeras pesquisas têm sido feitas com o objetivo de melhor entender essa ameaça. O professor Jean Pierre Perón, do Instituto de Ciências Biomédicas, lidera uma dessas pesquisas, com o intuito principal de entender a relação entre o vírus e a microcefalia e a patogênese, ou os movimentos celulares e moleculares que levam a uma lesão, por trás dessa última.
“Sabemos que o zika consegue penetrar a barreira da placenta e ruma para o cérebro, onde infecta as células precursoras dos neurônios e induz a morte das mesmas”, explica o professor. “A relação entre microcefalia e o vírus da zika está confirmada e é aceita em todo o ambiente científico”. Apesar de não saber ainda como a invasão da placenta ocorre, Jean Pierre afirma que o zika infecte as células do trofoblasto, a região do embrião que irá se conectar e se prender ao útero da mãe. Contudo, ainda falta esclarecer o porquê de o vírus migrar para a região onde o feto irá se alojar e quais receptores das células do hospedeiro o atraem. “Faz sentido que ele penetre pela placenta, no entanto”, acrescenta. “Essa região é extremamente vascularizada, e esse vírus circula pela corrente sanguínea”.
Transmitido pelo Aedes aegypti, mesmo mosquito que pode carregar os vírus da febre amarela e da dengue, o vírus da zika pertence à mesma família desses dois, os chamados flavivírus, caracterizados por um material genômico composto por apenas uma fita de RNA simples, que é transcrito e traduzido em vária proteínas virais. Essas proteínas são sintetizadas na célula do hospedeiro, que as corta e as agrega ao seu material, criando uma partícula viral. Trata-se, portanto, de um vírus envelopado que, ao sair de uma célula hospedeira, leva consigo parte da membrana dela consigo, confundindo o sistema imunológico e tornando a percepção da doença mais lenta pelo organismo.
Descoberto pela primeira vez em 1947, em macacos libertados na floresta de Zika, em Uganda, o vírus não foi considerado na época como algo que causaria mal aos seres humanos. E mesmo depois, quando casos de pessoas afetadas começaram a surgir na África e na Ásia, nenhum grande número de pessoas foi detectado, e a doença continuou a ser tratada como uma síndrome branda, pois causava apenas dores nas articulações, nos olhos, uma ocasional conjuntivite, e coceira na pele. O primeiro grande surto da doença, que começa a chamar a atenção de cientistas para o caso, ocorreu em 2007, na Micronésia. Em 2014, uma grande epidemia ocorreu na Polinésia Francesa, na qual mais de 28 mil pessoas foram infectadas. Contudo, a doença continuava a não levantar muitas preocupações, pois ainda não estava associada a nenhum grande mal. Foi apenas com o surto no Nordeste brasileiro, em 2015, que as autoridades começaram a dar atenção ao problema, devido aos inúmeros casos de bebês que nasciam com microcefalia.
Acredita-se que o vírus tenha chegado ao país em 2013, durante uma competição de remo na qual compareceram muitos atletas da Polinésia. Ninguém teria percebido a infecção pois nenhum dos competidores apresentou os sintomas. “Quando a pessoa se encontra no estágio da viremia, ela não apresenta sintomas”, esclarece Perón. “Viaja sem saber que tem a doença, e só a descobre no final da viremia, quando os sintomas começam a aparecer”.
De acordo, ainda, com o professor, a ausência de sintomas é uma das principais complicações na busca por um diagnóstico. “O indivíduo não procura um médico enquanto não sente nada”, afirma. “Dessa forma, o vírus é transmitido sem que se saiba”. Perón também alerta para a possibilidade de transmissão do vírus por meio do esperma, tornando a zika também uma Doença Sexualmente Transmissível. Outra grande complicação para o diagnóstico é a confusão do vírus da zika com o vírus da dengue, pertencente à mesma família. Por serem muito semelhantes, ambos os vírus ativam as mesmas células de memória, causando uma complicação sorológica que impossibilita o reconhecimento de qual dos dois vírus encontra-se presente no organismo.
Para Perón, esse é o principal desafio das pesquisas atuais sobre o vírus da zika: encontrar uma forma de facilitar o diagnóstico da doença, de forma a detectar a infecção em fases mais precoces e propiciar a devida intervenção terapêutica. Através do conhecimento das moléculas atuantes no zika, espera-se no mínimo uma forma de amenizar as lesões ou impedi-las de se tornarem mais grave. O pesquisador ressalta a importância da criação de uma vacina, processo já em andamento na Universidade de Harvard, para impedir que novas infecções ocorram.
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