Mudança de nome e sexo de pessoas transsexuais sem a necessidade de diagnóstico médico é defendida em estudo da USP

Pesquisa comparou a legislação de dez países sul-americanos e antecipou clima de julgamento do Supremo Tribunal Federal marcado para essa semana

Fonte: Reprodução;

Ainda hoje, o transsexualismo é catalogado como uma doença, um transtorno psico-comportamental, pelo Código Internacional de Doenças (CID-10), e as questões culturais se alinham em torno dessa caracterização. Dessa maneira, as demandas jurídicas das pessoas trans são muito menos protegidas legalmente, como é exposto na dissertação de mestrado Proposta de reconhecimento das demandas registrais de transgêneros para além do marco patologizante da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, que defende que as mudanças de nome e sexo dos transsexuais deveriam ser independentes de laudo médico.

“Procurei analisar a legislação de dez países da América do Sul, se eles tinha lei de identidade de gênero, como eles tratavam a questão da mudança de nome e sexo do registro civil dos transgêneros, dentro da perspectiva despatologizante. Isso quer dizer que as pessoas trans não precisam ter um diagnóstico médico para ter um reconhecimento jurídico das suas demandas”, explica a pesquisadora Maria Luiza Moura. O conceito de gênero usado na pesquisa é compatível com a teoria queer, ou seja, os gêneros são aspectos da subjetividade humana,construções sociais, desvinculadas das características biológicas.

Na dissertação, os países são divididos em quatro grupos, representando diferentes estilos de legislação. Um primeiro grupo, formado pela Venezuela e Paraguai, é o dos países em que não é possível a retificação registral. O segundo e maior grupo, do qual faz parte o Brasil, é caracterizado pela falta de leis de identidade de gênero, porém existe a possibilidade de se realizar a mudança judicialmente,mediante cirurgias transgenitais. No caso dos homens trans, é exigido apenas diagnóstico e perícia médica devido aos níveis experimentais das cirurgias. O Uruguai foi o primeiro país da América do Sul a criar uma legislação sobre identidade de gênero, mas, ainda assim, há a necessidade de ao menos um diagnóstico médico provando o transexualismo para que seja autorizada a mudança oficial, compondo o terceiro grupo. Por fim, a Argentina, a Colômbia e o Equador com legislações mais “avançadas”: não há a necessidade de provar um transtorno de indentidade de gênero para que haja a retificação, basta apenas a autodeclaração.

Moura adianta ainda que pretende explorar o tema também em sua tese de doutorado, mas dessa vez traçando uma comparação entre a posição brasileira, da província do Quebec e da França. “A França sempre foi na mesma linha do Brasil, e em novembro de 2016 houve uma modificação da legislação francesa, mudando o Código Civil, com a Lei de Modernização da Justiça do Século XXI, em que foi permitido a mudança de sexo e nome dos transgêneros, independente de cirurgia e laudo médico. Essa mudança da França tem muito a ver com as pressões que ela sofreu pela Corte Europeia, que foi acionada por casos de identidade de gênero duas vezes”. A autora aponta para a força que as tendências da sociedade têm mesmo sobre o Direito Civil, um dos mais tradicionais campos do direito. Da mesma maneira que houve uma mudança de posicionamento de cortes mundo afora sobre a questão homossexual nos últimos anos, a questão do transexualismo segue nessa mesma direção despatologizante, sendo as diretrizes da ONU, da OEA e da União Europeia alinhadas nesse aspecto.

Julgamento no STF

No dia 7 de junho foi retomado o julgamento da liberação da retificação oficial de nome e sexo de transexuais sem a necessidade da cirurgia total, iniciada em 20 de abril desse ano. O leading case é o recurso de um homem trans contra a decisão da Justiça do Rio Grande do Sul, que negou autorização a um cartório local para que mudasse o nome registrado para o nome social do recorrente.

A defesa do transsexual apela que a decisão fere o princípio fundamental da dignidade humana e proteção constitucional garantida a todos, sem quaisquer discriminações. “Vislumbrar no transexual uma pessoa incapaz de decidir sobre a própria sexualidade somente porque não faz parte do grupo hegemônico de pessoas para as quais a genitália corresponde à exteriorização do gênero vai frontalmente contra o princípio de dignidade humana”.

A decisão tomada terá força de repercussão geral.

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