Gestantes infectadas pelo vírus da Zika têm maior risco de terem filhos com autismo

Pesquisa desenvolvida pelo Instituto de Ciências Biomédicas da USP aponta novo fator de risco para o desenvolvimento do TEA

Imagem: Reprodução/Wikimedia Commons

Em 2015, o Brasil sofreu uma epidemia de Zika vírus e registrou 2.975 recém-nascidos com microcefalia. Na época, pesquisadores brasileiros comprovaram, pela primeira vez, que o Zika estava associado a infecções no sistema nervoso central (SNC). Neste ano, um novo estudo, realizado no Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP, aponta que a infecção pelo vírus durante a gestação também pode aumentar as chances do desenvolvimento de Transtorno do Espectro Autista (TEA) em bebês.

“Nesta pesquisa [mais recente], testamos os astrócitos”, conta Patricia Beltrão Braga, professora associada do Departamento de Microbiologia do ICB. Os astrócitos são células gliais do SNC e participam da barreira hematoencefálica. Essa estrutura é responsável por regular o transporte de substâncias entre o sangue e o SNC, impedindo a entrada de substâncias tóxicas e de hormônios plasmáticos em excesso.

Os primeiros testes foram realizados in vitro por Cristine Marie Yde Ohki, primeira autora do artigo. Células retiradas dos dentes de leite de crianças neurotípicas (que não possuem alterações neurológicas ou de neurodesenvolvimento) foram reprogramadas e deram origem a células-tronco pluripotente induzidas (iPSCs, da sigla em inglês induced pluripotent stem cells). Cristine explica que essas células podem se diferenciar em qualquer tipo celular e permitem a investigação de fenótipos celulares e moleculares em células vivas e funcionais de pacientes. Em seguida, os astrócitos gerados foram infectados com o vírus da Zika.

Os astrócitos também atuam no apoio neuronal, nutrição e sinaptogênese, processo de formação de sinapses entre os neurônios; recebem esse nome pelo formato estrelado — Imagem: Reprodução/Wikimedia Commons

Ao analisarem os resultados, as cientistas perceberam que o vírus induziu a morte celular, redução do número de sinapses e da captação de glutamato. “O glutamato é o principal neurotransmissor excitatório do sistema nervoso central. Entretanto, sua presença excessiva pode levar a disfunção e degeneração neuronal”, explica Cristine. Os astrócitos têm a capacidade de captar esse excesso e evitar que o ambiente cerebral fique tóxico. “Também percebemos que as células infectadas secretaram altas quantidades de interleucina-6 (IL-6)”, aponta Patricia. Em estudos anteriores, o grupo de pesquisa da professora tinha observado que os astrócitos de pessoas com autismo produziam altas quantidades de IL-6.

Novos testes e resultados

Com essas conclusões em mãos, Patricia Beltrão Braga entrou em contato com colaboradores da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). A neurocientista Julia Clarke infectou camundongos recém-nascidos com o vírus da Zika. “[Ela] viu que os camundongos tinham comportamentos que chamamos de autista-like”, afirma Patricia. O cérebro dos animais também foi avaliado e foram constatados altos índices de IL-6.

Por conta dos resultados com o modelo animal, Patricia procurou a neuropediatra Vanessa Van der Linden, a primeira a descrever os casos de microcefalia em 2015. Desde esse período, a médica mantém uma coorte (estudo de longa duração) com esses bebês. “Perguntei se algum deles tinha diagnóstico de TEA e ela disse que sim. Tinha pelo menos sete casos, cerca de 5%”, relata a professora. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), cerca de 1% a 2% da população mundial têm autismo. Com o número de 5%, as pesquisadoras podem afirmar que a infecção pelo Zika vírus durante a gestação é um fator de risco para o desenvolvimento de TEA em bebês.

“Isso não significa que todas as gestantes infectadas pelo Zika terão bebês com autismo. Existe uma determinada predisposição genética, junto com fatores ambientais, que ainda não definimos”, salienta Patricia. Para Cristine, o próximo passo é “entender de forma detalhada e precisa os mecanismos moleculares utilizados pelo Zika vírus para a infecção de astrócitos e explorar se há consequências na atividade neuronal ou na funcionalidade de outros tipos celulares.”

Seja o primeiro a comentar

Faça um comentário

Seu e-mail não será divulgado.


*