O direito de viver: O papel dos Centros de Atenção Psicossocial na reinserção na sociedade

Desde 2002, serviço público de saúde mental do governo federal atua na reabilitação de dependentes químicos

Os Centros de Antenção Psicossociais Álcool e drogas são serviços oferecidos que busca um tratamento humano para dependentes químicos a superarem o vício Foto: Reprodução/Prefeitura Municipal de Santiago

Os Centros de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (Caps AD) são serviços públicos de saúde mental para tratamento de pessoas com transtorno mental grave e persistente, que tem como objetivo a reinserção desses indivíduos na sociedade. Em março de 2002, os Caps AD foram criados, sendo especializados em transtornos decorrentes do uso contínuo e prejudicial de álcool e outras drogas.

“São serviços de atenção territorial, então espera-se que em cada região municipal tenha pelo menos um Caps adulto, um infantil e um Caps de drogas”, explica Isabella Silva de Almeida, doutoranda pela Faculdade de Saúde Pública da USP.  Atualmente, o SUS conta com aproximadamente 2.500 unidades do tipo pelo país, sendo que 35% encontram-se na região Sudeste. Dos centros existentes em todo o Brasil, cerca de 420 são especializados no atendimento a indivíduos que convivem com a dependência em álcool ou drogas ilícitas.

O modelo de atendimento dos Caps foi pensado para se opor ao modelo manicomial de tratamentos relacionados a à transtornos mentais, Esse modelo que retira e isola o paciente do seu cotidiano e o exclui de seu processo de recuperação, levando em conta somente a visão do médico sobre o seu quadro clínico. Esse modelo terapêutico possui um forte caráter compulsório, ao contrário dos moldes adotados pelos Caps. 

A pesquisadora ressalta que a construção das políticas dos CAPS foi uma criação que é fruto da luta antimanicomial, movimento que surgiu no final da década de 70 no Brasil, com o intuito de advogar pelos direitos de pessoas com sofrimento mental e contra tratamentos impessoais e intensivos para tratar de doenças mentais, como o isolamento dos paciente, por exemplo.

“Essa é uma característica importante de listar. Sabemos que as questões de saúde também dialogam com outras questões da vida da pessoa, as questões sociais são muito presentes. Então, o projeto terapêutico e o cuidado vão englobar todo esse aspecto de necessidades que uma pessoa em sofrimento psíquico pode trazer ali pro coletivo do serviço”, pontua.

Estigma contra o dependente

Além de doutoranda, Almeida é terapeuta ocupacional e autora da tese Cuidados e existências: entre mínimos e reais em um CAPS AD, defendida em julho de 2021, no qual relata sua experiência de oito anos de trabalho e sua convivência com quatro pessoas que utilizavam-se do serviço do Caps. 

“A tese surge muito do meu desejo de tornar visível a realidade de um serviço Caps AD. Acabo fazendo uma defesa importante, que é o direito de existir das pessoas que consomem drogas. A gente vai vendo que essas pessoas vão sendo aniquiladas socialmente, excluídas a ponto de chegar um momento em que as suas vidas ficam muito tênues”.

Ela também conta que pretendeu trazer uma realidade distinta dos estereótipos e preconceitos em torno da vida de pessoas que consomem drogas, expondo suas histórias e sua produção de vida, para pessoas que normalmente não as reconhecem. “Alguns pacientes vinham falar, ‘Eu preciso que você me ajude’, ‘eu preciso que você me salve’, ‘eu preciso que você me tire dessa vida’. Então, eu quis trazer um pouco dessa realidade, do que de fato é real”.

Um dos objetivos de Almeida foi tentar desmentir os estigmas e estereótipos em torno da figura do usuário de drogas e revelar a humanidade que acaba  ficando.

É como se o uso de substâncias qualificasse ou desqualificasse a pessoa e, na real, não é isso. Ao trabalhar com álcool e drogas a gente sabe que o uso de substância não necessariamente cria questões na vida ou na saúde das pessoas. Têm diferentes momentos e processos em relação ao uso de substâncias”, ressalta a pesquisadora.

A falta de políticas públicas

Almeida explica que por mais que os serviços oferecidos pelos Caps AD possuam efeitos benéficos naqueles. Os Caps são implantados de acordo com o número de habitantes que um município possui, o que faz com que populações de cidades mais periféricas e distantes dos centros urbanos acabam não acessando o serviço.“A gente ainda precisa de mais políticas públicas que reafirmem essa e outras estratégias de atenção psicossocial, de um cuidado em liberdade que possa garantir outras formas de pensar o cuidado e a vida”, afirma Almeida. 

Segundo ela, é preciso pensar nas outras questões que se interseccionam na vida da pessoa que utiliza substâncias nocivas e as questões que a levam a consumi-las — como dificuldade de inserir-se no mercado de trabalho, dificuldades financeiras, problemas relacionados à moradia etc. “É um assunto bem delicado, estamos em um momento do nosso país em que algumas das políticas públicas estão sendo desconstruídas, e em que não se compreende essa forma de cuidado como garantia de direito”, conclui Almeida.

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