Pesquisa avalia efetividade de políticas de conservação ambiental e aponta para aumento do desmatamento em período eleitoral

EFEITOS DOS INCENTIVOS FINANCEIROS DE CONSERVAÇÃO AMBIENTAL SÃO VULNERÁVEIS ÀS DECISÕES TOMADAS EM CICLOS POLÍTICOS

Segundo Ruggiero, incentivos financeiros reduziram a tensão social e econômica gerada por mecanismos ambientais de comando e controle, mas ainda precisam ser aperfeiçoados. Imagem: Preserva Maranhão

“Quais estratégias realmente funcionam contra a intensa perda de habitat nativo?”. A escassez de estudos sobre a efetividade de incentivos financeiros enquanto instrumentos para a conservação ambiental no Brasil estimulou Patricia Guidão Cruz Ruggiero, pesquisadora do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo, a estudá-los em sua tese de doutorado, intitulada Impacto de políticas de conservação e ciclos eleitorais sobre áreas protegidas e a cobertura florestal na Mata Atlântica Brasileira, apresentada em setembro de 2018. “A prática da avaliação de impacto das políticas ambientais precisa ser incorporada na cultura da gestão pública nacional e ir além de monitoramento, precisamos de dados que nos levem ao entendimento das consequências dessas intervenções”, defende.

Ruggiero estimou a efetividade de dois dos mais antigos e populares incentivos no combate à perda de vegetação nativa no Brasil os Pagamentos por Serviços Ambientais (PSA) e a transferência fiscal intergovernamental com base em critérios ecológicos (ICMS Ecológico) , deparando-se, ao longo da pesquisa, com um resultado adicional inesperado: a existência de ciclos eleitorais de desmatamento na Mata Atlântica. “Às vezes, há um grande esforço na concepção e implementação de políticas ambientais e pode-se estar perdendo parte desse esforço em função dos impactos de ciclos eleitorais, que permanecem desconsiderados se não fizermos estudos de avaliação de impacto”, alerta.

Regeneração de florestas

Os programas de Pagamentos por Serviços Ambientais (PSA) são instrumentos que viabilizam a remuneração daqueles que conservam ou recuperam um serviço ambiental previamente definido. Os serviços ambientais, por sua vez, representam os impactos positivos que obtemos dos ecossistemas direta ou indiretamente, tais como a polinização de plantas, as regulações hídricas e o controle de doenças e pragas. “A ideia original dos pagamentos por serviços ambientais (PSA) era possibilitar que um ator privado compensasse financeiramente o provedor de recursos ambientais, que adota medidas de conservação ambiental em sua terra, como sistemas agrícolas sustentáveis, por exemplo”, explica a pesquisadora. Na prática, porém, atores públicos, como a prefeitura ou o governo estadual, também atuam enquanto beneficiários.

Esquema de funcionamento do pagamento por serviços ambientais de proteção dos recursos hídricos. Imagem: Governo Federal

Os dois programas de pagamento por serviços ambientais avaliados pela pesquisa foram o Produtor de Água, em Joanópolis e Nazaré Paulista (SP), e o Conservador das Águas, em Extrema (MG). O principal objetivo desses programas, segundo a pesquisadora, é a conservação e a restauração de floresta e o aumento da quantidade e qualidade da água do Sistema Cantareira.

O estudo analisou os dois PSAs quanto à promoção de áreas adicionais de floresta nativa. Para tanto, foram avaliadas 83 propriedades rurais contratadas pelos programas e 83 propriedades selecionadas como controle, isto é, propriedades que não aderiram ao programa, mas que têm características muito semelhantes às que aderiram. Tal abordagem de estudo é chamada de contrafactual e permite ter acesso ao cenário da situação ou evento que não aconteceu, mas poderia ter acontecido. Nesse caso, o método atende ao objetivo de estimar o que haveria ocorrido na ausência da intervenção dos programas estudados.

As propriedades rurais foram acompanhadas por imagens de satélite disponíveis no Google desde 2003 e avaliadas quanto à presença de regeneração e desmatamento, em três espaços de tempo distintos: antes da adesão aos programas, no momento de sua implantação e após o período de sua operação. “O que percebemos foi que as propriedades que entraram no programa ganharam um pouco de floresta ao longo do tempo, ao contrário das que estavam fora do mesmo, mas ele não afetou o desmatamento”, explica Ruggiero.

O efeito médio sobre a regeneração de florestas foi de 0,69% da área da propriedade ao ano, isto é, em 0,69% da área das propriedades avaliadas não haveria regeneração de vegetação nativa sem a intervenção dos programas avaliados. “Esse resultado nos mostra que o ganho desses programas é lento e que não podemos contar apenas com eles para a regeneração das áreas de floresta nativa, então, fica a cargo dos gestores ou de pesquisas futuras realizar avaliações de custo-benefício desses mecanismos”, considera.

Criação de Unidades de Conservação

Na segunda etapa da pesquisa foi estimada a capacidade do ICMS Ecológico de promover novas áreas legalmente destinadas à conservação de recursos naturais, as Unidades de Conservação. Se os municípios atendem a determinados critérios ambientais estabelecidos em leis estaduais, recebem parcelas maiores àquelas que já têm direito dos recursos financeiros arrecadados pelos Estados por meio do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). A redistribuição do ICMS com critérios ecológicos é inédita no Brasil e foi instituída no Paraná, em 1989. “Já que os municípios que têm unidades de conservação teoricamente apresentam restrições de uso da terra e consequentemente de atividade econômica, o ICMS Ecológico atua como um mecanismo que os compensa financeiramente por esse cenário”, explica a pesquisadora.

Imagem: Revista Página22

Na maioria das legislações estaduais, as unidades de conservação criadas pelo próprio município também são consideradas no cálculo da redistribuição do ICMS sob critérios ecológicos. Assim, a redistribuição de recursos pode atuar enquanto mecanismo de compensação, mas também enquanto incentivo para criação de unidades de conservação pelo município. “O Estado de São Paulo, por exemplo, não considera as unidades de conservação criadas pelos municípios, apenas as unidades estaduais, o que leva o ICMS Ecológico a atuar enquanto mecanismo de compensação, e não como incentivo”, explica Ruggiero.

A pesquisa comparou 2.481 municípios de oito estados na região da Mata Atlântica, sendo Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Mato Grosso do Sul adeptos da legislação do ICMS Ecológico, e Santa Catarina e Espírito Santo a dupla de estados-controle que não possuem o mecanismo em operação, entre 1987 e 2016.

As dificuldades em encontrar dados sobre as unidades de conservação municipais foram grandes, como conta a pesquisadora. “O Cadastro Nacional de Unidades de Conservação tem pouquíssimas unidades municipais registradas; em alguns estados, como no Paraná, o governo monitora ativamente essas informações, mas na maioria dos estados esses dados são pulverizados”. Essa etapa da pesquisa só se tornou possível a partir da base de dados desenvolvida pela parceria entre o biólogo Luiz Paulo de Souza Pinto e a Fundação SOS Mata Atlântica, cedida à Ruggiero.

Os resultados da análise demonstraram que municípios sob o incentivo do ICMS Ecológico apresentam um pequeno aumento em área de novas unidades de conservação quando comparados com os municípios controle não sujeitos ao mesmo mecanismo, mas o aumento apareceu apenas nos primeiros anos de existência da lei. “Cerca de 10 anos após a aprovação da legislação do ICMS Ecológico, os efeitos desapareceram nos municípios”, explica.

Segundo Ruggiero, trata-se de um resultado esperado, dada a forma com a qual o mecanismo foi delineado: o percentual de recursos financeiros que um município com unidade de conservação recebe depende de quantas unidades de conservação os outros municípios do mesmo estado possuem. Isto é, à medida que mais unidades vão sendo criadas, cada município recebe relativamente menos do que recebia antes da criação das mesmas, o que acaba enfraquecendo-o ao longo do tempo.

A pesquisadora, entretanto, faz uma ressalva para as unidades criadas pelos governos estaduais, onde os efeitos do benefício não desapareceram completamente com o passar dos anos. “A nossa hipótese é de que, quando as equipes do governo estadual vão aos municípios e apresentam a proposta de criação das unidades de conservação, há um espaço de negociação entre esses dois atores que gera consequências positivas, já que sem o ‘empurrãozinho’ da política estadual, o município possivelmente não criaria uma unidade de conservação por espontânea vontade”.

A análise também demonstrou que as áreas protegidas criadas, particularmente pelos governos locais, são preferencialmente Áreas de Proteção Ambiental (APA), categoria que impõe poucas restrições ao uso da terra e traz pequena contribuição aos recursos naturais. Segundo Ruggiero, além do fato das APA’s não exigirem deslocamento de populações e consequentemente apresentarem um custo social menor, elas têm grandes extensões e podem se sobrepor a outras unidades de conservação, o que acaba sendo favorável aos municípios que já apresentam uma área de preservação ambiental em seu território restrito e desejam criar outra.

Desmatamento em ciclos eleitorais

Com o propósito de investigar o efeito do ICMS Ecológico também sobre os processos de regeneração e desmatamento na Mata Atlântica, a pesquisadora acessou uma base de dados nacional sobre mudanças no uso da terra no período entre 1985 e 2017. A regeneração de florestas não apresentou um comportamento definido, mas o padrão de desmatamento aparentava estar associado a presença de ciclos eleitorais.

Mata Atlântica: Evolução Anual da Cobertura e Uso da Terra (1985-2017). Imagem: MapBiomas

“Consultei a bibliografia de trabalhos na área ambiental e notei que não havia praticamente nenhum estudo que apontasse relações entre desmatamento e cenário político eleitoral; encontrei apenas os trabalhos de dois economistas, um deles demonstrou o aumento do desmatamento em ano de eleição na Indonésia, e o outro, publicado em janeiro deste ano, mostrou o aumento do desmatamento em ano de eleição municipal na Amazônia”, conta.

A pesquisadora, então, decidiu analisar a dinâmica do desmatamento na Mata Atlântica dentro dos ciclos de eleições municipais e estaduais. Foram avaliados 2.277 municípios na região do bioma, dos sete estados do Sul e Sudeste, considerando o período de 1991 a 2014.

“Verificamos que existem ciclos eleitorais de desmatamento ligados às eleições estaduais em cinco dos estados observados, nos casos de Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro, Santa Catarina e Paraná, e às eleições municipais em três estados, sendo Rio de Janeiro, Santa Catarina e Rio Grande do Sul”, aponta.

Além da constatação de que em ano de eleições municipais ou estaduais se desmata mais, os resultados da pesquisa também mostraram que as eleições nas quais o incumbente está perdendo por uma ampla margem de votos – quando ele perde “de lavada” tendem a ser os eventos com maior desmatamento observado. No caso do Rio Grande do Sul, um outro comportamento foi identificado: somente nos municípios em que se observa o alinhamento entre o partido do prefeito e do governador há aumento do desmatamento durante as eleições municipais.

“Supondo que, num momento de eleição municipal, o partido que está no governo estadual tenha interesse em ocupar mais prefeituras, ele pode, então, apoiar a reeleição de seus candidatos ao governo municipal. Nesses momentos de reeleição, percebemos que há um aumento do desmatamento. Independente do partido com o qual o candidato esteja vinculado, o período próximo às eleições é marcado por atitudes oportunistas que podem levar ao aumento do número de licenças para o desmatamento, concedidas na maioria das vezes pelos governos estaduais”, explica.

Outra hipótese levantada pela pesquisadora é a de que, em ano de eleição, circula no imaginário social a noção de que, por encontrar-se ocupado com as questões eleitorais, o governo reduziria a fiscalização das florestas e, assim, desmatar seria um processo menos arriscado.

Para Patricia Ruggiero, os mecanismos financeiros de proteção ambiental, ao menos da forma com que foram concebidos até o momento, se mostram bastante limitados como instrumentos dominantes no alcance das metas de conservação e restauração das florestas naturais. “Não podemos ignorar as contribuições desses mecanismos, mas também não devemos colocar todas as nossas expectativas neles”, considera. A pesquisadora acredita que é importante promover uma discussão sobre o uso da terra, considerar a criação de novos mecanismos e pensar que, combinados com outras políticas ambientais, esses instrumentos podem ocasionar efeitos mais satisfatórios. “É preocupante que os ganhos desses incentivos possam ser compensados por perdas decorrentes de motivações políticas, ainda mais na região do país na qual vigora uma das legislações mais rígidas sobre florestas tropicais do mundo”.

 

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