Parques lineares: novo modelo integra lazer e meio ambiente na cidade de São Paulo

Construídos ao longo do curso de rios, canais e córregos, áreas verdes oferecem uma alternativa sustentável para minimizar os impactos ambientais da expansão urbana e melhorar a qualidade de vida dos cidadãos

Parque Tiquatira, na zona leste, é o primeiro parque linear de São Paulo. Foto: catracalivre

Por Carina Brito (carinadsbrito@gmail.com); Laís Ribeiro (la.ribeiro97@gmail.com); Leticia Fuentes (lepagliarini11@gmail.com), Maria Beatriz Barros (mabi.barros.s@gmail.com); Mariana Mallet (marimcp97@gmail.com) e Mariana Gonçalves (mariana.vick.goncalves@gmail.com)

Parques lineares, ou greenways, são intervenções urbanísticas construídas ao longo de cursos d’água. Normalmente maiores em seu comprimento do que na sua largura – por acompanhar o trajeto de rios e córregos e estarem sempre associados à rede hídrica – tais espaços são capazes de conectar áreas verdes, proteger e recuperar o ecossistema, controlar enchentes, abrigar práticas de lazer, esporte e cultura, além de contribuir com alternativas não motorizadas de mobilidade urbana. O próprio termo greenway (“caminho verde”, em português) é uma referência a cinturões de vegetação associadas ao tráfego não motorizado, indicando movimento – de água, pessoas, animais, sementes, entre outros.

Preocupada com a perda da qualidade de vida socioambiental na cidade de São Paulo, Mariana Corrêa Soares, mestre pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP, se voltou aos impactos dos parques lineares na maior metrópole da América Latina. Em sua dissertação, a urbanista recorreu a estudos que avaliavam a implantação dessas áreas na cidade, além de fazer entrevistas e visitas de campo a fim de abordar o tema a partir de uma perspectiva paisagística, pontuando suas problemáticas e defendendo a participação popular na construção e ocupação dos espaços urbanos.

Segundo a pesquisadora, os parques lineares são uma iniciativa sustentável de uso e ocupação das áreas urbanas de fundo de vale – pontos mais baixos de um terreno acidentado, formando uma calha por onde escoam as águas das chuvas – nos âmbitos ambiental, social, econômico e cultural. Geralmente, tais partes dos rios são canalizadas e ocultadas por avenidas. Os parques lineares procuram, justamente, ocupar esses pontos, a fim de evitar o processo de pavimentação.

“Por sua linearidade, essas áreas verdes potencializam os fluxos de pessoas, ciclistas, avifauna e de vida na cidade. Os fundos de vale tem declividade mais suave e, em conjunto, formam a rede hídrica que, sob essa ótica, constitui um grande potencial de mobilidade associada à circulação não motorizada”, afirma a autora da dissertação. “Essa rede de possíveis áreas verdes traz contribuições naturais da vegetação na cidade, como sequestro de carbono, contribuindo para uma melhor qualidade do ar”, explica Mariana.

Os parques e as grandes metrópoles

Por Laís Ribeiro/ Ilustrações retiradas do site Freepik.com

Com os parques lineares, há mais sombra e umidade do ar, o que leva à redução das ilhas de calor e maior permeabilidade do solo, possibilitando a percolação – passagem mais rápida – das águas pluviais. “A cidade ganha espaços verdes públicos que favorecem o exercício da esfera pública, do encontro, da sociabilidade, da contemplação, da qualidade de vida urbana”, explica a urbanista Mariana Soares.

Danúbia Capurosso Bargos, professora da Escola de Engenharia de Lorena (EEL) da USP e especialista em áreas verdes urbanas, ressalta a função estética e lúdica dos parques lineares, ambas fundamentais para as áreas urbanizadas – principalmente naquelas cuja formação ocorreu de forma inadequada. “Além disso, [os parques] podem ser utilizados como instrumentos de gestão importantes para a manutenção da qualidade ambiental urbana e regularização das áreas de preservação permanente”.

De acordo com a Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente (SVMA) da Prefeitura de São Paulo, a capital paulista conta com 24 parques lineares, sendo 13 deles na Zona Leste, 8 na Zona Sul, 2 na Zona Norte e 1 na Zona Centro-Oeste da cidade.

Outra função dos parques lineares é rever a relação da cidade e seus rios, sua canalização e supressão dos cursos d’água, aliada à construção de avenidas. “Mais que isso, os referidos espaços verdes possibilitam um resgate do sítio natural em meio à cidade que nele se desenvolveu, favorecendo a reconexão do homem urbano à natureza da qual somos todos parte, ainda que vivendo em uma grande metrópole”, detalha Mariana.

Ocupação e conscientização

Jane Zilda dos Santos Ramires, geógrafa e mestre pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP e funcionária da Secretaria do Verde e do Meio Ambiente do município de São Paulo, aponta as principais características do processo de urbanização de São Paulo. “O incremento da população entre as décadas de 1960 e 1970, que somava 5,9 milhões de habitantes, já indicava a forma agressiva com a qual se daria o uso e ocupação do solo”, diz ela. Marcado pela verticalização das regiões centrais e pelo espraiamento em direção às periferias, promovida por uma série de ocupações em terrenos suscetíveis à erosão, o crescimento da cidade acompanhou a transformação de sua fisionomia, que se divide em periferias carentes de infraestrutura, construídas sobre áreas ambientalmente protegidas, e bairros de classe média e alta, não necessariamente menos degradantes no que diz respeito às questões ambientais. Entre as principais consequência desse processo estão a devastação da vegetação ainda existente e as intervenções em suas águas e fundos de vale.

Em sua dissertação, Mariana também procura traçar um panorama da atual situação desses fundos de vale, explorando desde o início do processo de ocupação urbana desses espaços até seu contexto e motivações. “Historicamente, o processo de ocupação urbana de São Paulo exigiu uma série de intervenções nas águas superficiais do sítio. Ao longo do século 20, o poder público tratou os rios e córregos, canalizando-os, em sua grande maioria, em galerias sob as avenidas que seguem ao longo dos fundos de vale, ocupando as várzeas dos rios”, complementa. “Alvos de uma série de intervenções urbanísticas, os cursos d’água do município, hoje, evidenciam o imenso conflito decorrente de anos de uma urbanização massiva, extensiva e inadequada do ponto de vista socioambiental.”

De acordo com Mariana, uma das principais consequências da canalização desses rios são as inundações. Como explica a pesquisadora, à medida que a precipitação ocorre e a água não é infiltrada no solo, o volume escoa pelos condutos do sistema de drenagem e a retificação de um córrego aumenta a velocidade das águas, podendo causar verdadeiras catástrofes em relação à inundação. “Hoje, felizmente, tal concepção começa a ser revista”, diz. “Destacam-se ao redor do planeta inúmeras intervenções pioneiras e bem-sucedidas de revitalização de áreas degradadas por meio de ações de cunho socioambiental e utilizando, entre outros, o potencial estratégico dos rios como chave desses processos.”

Dois estudos de caso internacionais de revitalização ecológica, econômica e urbana da Bacia do Córrego do Jaguaré são, inclusive, parte dos principais materiais utilizados por Mariana em sua pesquisa. Para ela, tais iniciativas de restauração, mesmo que parcial, dos córregos no meio urbano vêm provocando uma mudança nas relações que a grande maior parte das grandes cidades brasileiras mantém com as águas.

“É curioso observar a sociedade iniciando a mudança de alguns paradigmas do consumo [de água] e do processo de responsabilização que o envolve. Ainda assim, alguns hábitos pautados no modelo até então vigente se mantém, totalmente incompatíveis com a fonte dos recursos dos quais necessitamos para sobreviver e com o destino dos resíduos produzidos”, afirma. “Percebe-se que a maior parte das pessoas que vivem nas cidades têm a simples impressão de que a água que consumimos provém da torneira. Em geral, não há percepção da sua relação com a natureza e seus processos, nos quais interferimos intensamente.” Para ela, a atual crise de abastecimento de água em São Paulo é uma prova notável dessa relação historicamente equivocada e deve contribuir para a mudança de alguns paradigmas relativos à questão na metrópole.

A gestão dos parques lineares

Apesar dos investimentos em parques lineares, eles ainda carecem de uma legislação ambiental mais ampla. “Os parques lineares apresentam novas e desafiadoras questões à administração pública municipal, desde a fase de planejamento e concepção do projeto até a fase de gestão pós-implantação”, diz Mariana. “Diferente de um parque municipal com desenho regular e limites estabelecidos, o parque linear compõe um espaço aberto na cidade, diferenciado por seu papel na conservação dos recursos hídricos.” Para a urbanista, tais espaços podem desempenhar funções ecológicas, estéticas, recreacionais, educacionais e de sociabilidade.

Entretanto, as características dos parques lineares geram novos problemas de gestão. A pesquisadora destaca a necessidade de conceituar e consolidar informações e metodologias sobre os parques lineares. No caso do doutorado de Jane Ramires, que pesquisou sobre Readequação da Bacia Hidrográfica do Córrego Zavuvus, verificou-se que o instrumento “parque linear” foi descaracterizado, na medida em que ele não contribuiu para a permeabilidade e a redução de enchentes do local onde fica.

O Córrego Zavuvus está localizado na Unidade de Gerenciamento de Recursos Hídricos do Alto Tietê, e é afluente da margem direita do rio Jurubatuba. Sua bacia hidrográfica abrange as Subprefeituras de Santo Amaro e Cidade Ademar, e está localizada numa área de proteção ambiental. Embora não tenha cumprido com seu conceito, “talvez para recreação, entretenimento e opção de lazer, o parque tenha tido algum significado”, diz Jane.

De fato. Em uma análise na capital, ficou entendido, na pesquisa de Mariana, que os parques lineares, além de valorizarem o local onde se encontram, possuem importância para os moradores do bairro. Ainda que apresentem alguns problemas de ordem ambiental, os espaços produzem impacto positivo sobre a população. “Em muitos casos, o parque linear surge para essa população como único local de lazer, com possibilidade de oferecer espaço para práticas recreativas, esportivas ou de contemplação e contato com uma área verde ou participação em eventos culturais”, conta.

O impacto das áreas verdes

No âmbito social, a implementação de parques lineares é bastante positiva, principalmente em áreas carentes, pelo acesso facilitado e eventos culturais promoverem maior sociabilidade entre a população local, além de ser uma área na qual os moradores podem praticar atividades físicas.

Por outro lado, destaca-se a melhor percepção do local onde estes são implantados, apesar de ainda persistir o problema em relação à poluição dos córregos. “O parque linear se diferencia do parque urbano tradicional porque é associado à recuperação dos recursos hídricos”, afirma Mariana. “Contudo, grande parte dos córregos dos parques lineares não foi contemplada pelo Programa Córrego Limpo, conduzido pela Sabesp e desenvolvido em parceria entre a prefeitura e o governo estadual.”

Parque linear Aricanduva, localizado na zona leste de São Paulo. Foto: prefeitura.sp.gov

Apesar de ser difícil conceber a ideia de construir um parque ao lado de um córrego poluído, a pesquisadora acredita que é de extrema importância para a recuperação de áreas degradadas.  Em contrapartida, a pesquisadora ressalta que “as áreas destinadas à implantação dos parques lineares são sobras do tecido urbano e, se precisarem cumprir muitos pré-requisitos, jamais poderão configurar parques lineares. Assim, enxerga-se como positiva uma definição mais flexível para que essa tipologia de área verde possa ser multiplicada e pulverizada pelos fundos de vale urbanos”, adiciona.

Para ela, é preciso que haja uma maior participação popular na construção dessas áreas. A partir do momento em que todas as decisões e intervenções envolvendo o parque tiverem participação dos moradores, a apropriação destes em relação à área ocorre de maneira natural. Assim, a população local se transformaria naturalmente em cuidadora.

A pesquisadora aborda também limitações impostas ao processo de implantação das áreas verdes. De acordo com ela, as classificações – parques lineares, caminhos verdes ou praças – não são feitas a partir das características do local, mas a partir de questões burocráticas e administrativas da gestão urbana. Em outro aspecto, levando em conta a paisagem urbana e da infraestrutura verde, Mariana afirma que as denominações não são o mais importante, mas sim que essas áreas sejam implantadas e potencializem seus benefícios para a cidade.

Por meio de estudos de caso, a pesquisadora pôde constatar que cada fundo de vale onde se possa intervir na criação de parques lineares possui suas particularidades.  Em relação à participação popular nas tomadas de decisões dos processos de implantação das áreas verdes, os estudos de caso evidenciam a importância para a realização de processos mais democráticos e para garantir a adequação do espaço à real demanda social de cada localidade. Para isso, Mariana considera que é extremamente produtiva a troca de conhecimentos técnicos e científicos dos profissionais com os conhecimentos populares.

Em outro aspecto, as investigações evidenciaram a importância dos programas de despoluição dos córregos para que sejam reintegrados à paisagem urbana. “Da mesma forma, considera-se muito importante a limpeza e manutenção dos canais dos rios, de modo a valorizar seus potenciais de contemplação e interação, reintegrando-os à paisagem urbana”, explica. A pesquisadora ainda destaca que é possível associar essas áreas com ciclovias, favorecendo o deslocamento urbano. “É muito importante formarem-se espaços de permanência nesses locais, plenos de natureza e vida, criando ambientes capazes de favorecer as práticas de sociabilidade e fortalecer a esfera pública na cidade”, completa.

Mariana ressalta, ainda, a necessidade da criação de políticas públicas para a fixação da população local, uma vez que com a implementação de áreas verdes e despoluição dos córregos, há uma tendência de valorização imobiliária nos entornos. “É preciso atentar-se à valorização imobiliária do seu entorno, de forma a não permitir a gentrificação, com a consequente expulsão da população original”, afirma.

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