Crimes impunes e ideologização das narrativas participam do conflito árabe-israelense

Pesquisador analisa abordagens do conflito e comenta o cenário de violência: ‘É uma situação incompatível aos Direitos Humanos’

foto: fotomovimiento

Foi a preocupação com a ideologização das abordagens midiáticas, e até acadêmicas sobre a ocupação da Palestina e a violência sofrida por seus povos, que fez com que o pesquisador Fábio Bacila Sahd, da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da USP, iniciasse sua tese de doutorado, já finalizada.

Para além do propósito como pesquisador, Fábio ressalta que sua preocupação, como ativista, foram as questões relativas às violações de direitos humanos. “As imagens dos ataques contra Gaza, em 2009 e 2014, me deixaram perplexo”, conta Fábio. “Quis entender como era possível a morte e ferimentos impunes provocados em milhares de civis, assim como um processo de destruição sistemática de infraestrutura.”

“A hipótese, que acabou se confirmando, é que se trata de uma situação jurídica semelhante aos campos de concentração e extermínio nazistas”, argumenta o autor de “As violações impunes de direitos humanos e humanitários dos palestinos sob a ocupação israelense: possíveis interpretações”.

Segundo ele, na prática, os palestinos foram privados de proteção legal, ao que ele se refere como um estado de exceção legal. Sendo assim, quase todo tipo de abuso contra eles e suas propriedades fica impune. “As violações integram um projeto colonialista de expansionismo e limpeza étnica gradativa incompatível com os direitos humanos”, prossegue.

Narrativas

Fábio afirma que, com relação à bibliografia que constrói a narrativa do conflito, há uma produção oficial que, segundo ele, é “repleta de mitos e muito panfletária”. Os autores mais contundentes, surpreendentemente, são de religião judaica que não se sentem representados por Israel como ‘Estado judeu’. “Eles reivindicam outra memória dos crimes nazistas, buscando afirmar que o ‘nunca mais’ é ‘nunca mais para ninguém’”, comenta Fábio.

A pesquisa mostrou que, via de regra, a produção da Anistia Internacional e Human Rights Watch é limitada em seu legalismo. Segundo Fábio, para “enfatizar um distanciamento e suposta neutralidade”. “Assim, em alguns momentos, parece que os crimes cometidos pelo Hamas e pela Autoridade Palestina estão em um mesmo patamar dos crimes do Estado israelense, o que priva o leitor de uma dimensão das causalidades e intencionalidades”, afirma.

Mas há exceções. Ele cita o relatório da ONU escrito por Richard Falk, relator designado para apurar violações de direitos humanos nos territórios palestinos ocupados, em 2014. “Falk fala em limpeza étnica e defende que o Estado israelense comete o crime de apartheid”, comenta.

Violações

O trabalho defende que a relação entre israelenses e palestinos trata-se de uma política sistemática de violações de direitos humanos e humanitários dos primeiros contra os últimos. E ela se dá, principalmente, por meio das ocupações e da disputa pela terra. Sua pesquisa relaciona esses aspectos aos movimentos coloniais que, segundo Fábio, “ensejam práticas discriminatórias e se fundam em uma representação racista da alteridade”. Ele relembra o apartheid sul africano como exemplo.

“É uma experiência colonial, incompatível com a Declaração Universal dos Direitos Humanos e demais instrumentos protetivos internacionais”, argumenta Fábio. “Como o Estado de Israel é controlado por um dos grupos étnicos em conflito, sua engrenagem está a serviço desse projeto político e ideológico. As violações são cometidas impunemente e com o apoio dos órgãos estatais, como o próprio exército, que executa ações terroristas, sob o pretexto de combate ao terrorismo.”

A observação e a análise do que Fábio chama de terrorismo estatal é um dos principais pontos de sua pesquisa. Sua base são os relatórios analisados de 1967 a 2015. Segundo ele, desde o início da ocupação, as violações de direitos humanos já aconteciam. “Áreas são esvaziadas de palestinos para se tornarem colônias e as diferentes formas de resistência são coibidas com medidas de punição coletiva”, explica.

“Ao se tomar a população como alvo para buscar rearticular suas relações de solidariedade e ímpeto de resistência se está praticando terrorismo. E isto está muito bem documentado”, aponta Fábio.

O pesquisador estudou a conduta de diversos órgãos de Estado de Israel, incluindo exército, polícia e judiciário. Dos primeiros, são documentadas punições que vão desde tortura até vandalismo, além de grilagem de terras e assassinatos extrajudiciais. Do judiciário, viu-se que o sistema é conivente com os crimes, segundo relatórios da ONG israelense Yesh Din. O judiciário, argumenta Fábio, não limita as ações repressivas e terroristas de Israel. “É o que Oren Yiftachel chama de etnocracia, o Estado controlado por um grupo étnico e a serviço de seus interesses coletivos, sobretudo expansão territorial, em detrimento do grupo colonizado”, conclui.

Últimos meses

Palestina e Israel voltaram aos noticiários recentemente, já que uma nova onda de violência tem marcado o conflito. Em março, a Palestina iniciou um movimento que ficou conhecido como Grande Marcha do Retorno, uma caminhada desde a Faixa de Gaza até a fronteira com Israel. Para cessar a caminhada, tiros foram disparados pelo lado israelense e a ofensiva chegou a matar 16 palestinos no início dos protestos.

No último mês, o conflito ganhou novos rumos, ainda mais violentos. Até meados de maio, 55 palestinos foram mortos e mais de 2000 sofreram ferimentos em nova ofensiva das tropas de Israel contra Gaza. O plano de fundo, que inicialmente era a reivindicação histórica pela terra, uniu-se a outras motivações para os protestos: os 70 anos da criação do Estado de Israel e a inauguração da embaixada americana em Jerusalém. Simbolicamente, a transferência significa reconhecer que Jerusalém é capital de Israel e não uma cidade em que coexistem dois Estados.

As narrativas para essa série de acontecimentos variaram. Nos últimos meses, alguns veículos da imprensa trataram as mortes como parte do “conflito histórico”, outros deixaram de usar a palavra conflito e passaram a se referir à conjuntura como um “massacre”. Alguns, porém, trataram como “consequência” da movimentação e dos protestos palestinos, colocando o Hamas também em pauta.

Seja o primeiro a comentar

Faça um comentário

Seu e-mail não será divulgado.


*