Tratamento de obesidade pode ser mais efetivo sem o uso de dietas restritivas

Experiência com mulheres obesas em um projeto de extensão da Universidade de São Paulo permitiu avaliar abordagens não prescritivas

Foto: Reprodução

Pesquisa de doutorado da Faculdade de Saúde Pública comprova que existem outras maneiras de lidar com a obesidade que não a dieta restritiva prescrita por um nutricionista. Por meio da adaptação de um curso comunitário oferecido a mulheres obesas pela EEFE-USP, ficou claro que uma intervenção de viés comportamental é mais efetiva a longo prazo que a perda de peso imediata por meio de dietas.

O projeto de extensão em questão, originalmente denominado Atividade Física e Controle Alimentar para Pessoas Obesas, foi adaptado nos últimos anos e passou a contar com atendimento nutricional individual, sem prescrição de dieta; atividades físicas monitoradas em quadra; palestras filosóficas com os mais diferentes temas, como imagem corporal, preconceitos e desejos; além de grupos de discussão.

Durante dois anos, a pesquisadora Mariana Dimitrov Ulian coletou dados do programa para avaliar as escolhas alimentares das 58 mulheres do estudo e se esta forma de aconselhamento nutricional seria capaz de trazer mudanças na forma que elas faziam tais escolhas. Foram feitos dois grupos, um para controle e outro para a intervenção. No grupo controle foram seguidos os eixos centrais da filosofia Health At Every Size, que se propõe a romper com a tirania de que o obeso necessariamente precisa fazer algo para emagrecer, por meio de algumas palestras com temas pré-definidos e o encorajamento à atividade física. Já no grupo intervenção, procurou-se preencher algumas lacunas dessa corrente, implementando o atendimento nutricional individual e as atividades em quadra, sem o foco No Pain, No Gain, de forma a despertar o gosto pelo movimento. Os resultados do grupo intervenção se mostraram, no mínimo, promissores.

Fazer um prato saudável passa a ser uma escolha do indivíduo. Foto: Reprodução

“As mulheres do grupo intervenção ganham autonomia em sua alimentação, então, é possível ver que elas saem da intervenção conseguindo planejar sua alimentação nos mais diferentes cenários. Uma coisa que a gente insiste muito com elas é com relação a fome e a saciedade”, explica a pesquisadora. “Geralmente, a gente perde essa referência de fome, de quando a gente para de comer, o ‘Será que agora está o suficiente pra mim? Será que eu estou comendo mais do que eu preciso?’ Então a gente vai ajudando elas a entenderem todas essas sensações e no final a gente vê que isso ajuda muito”, afirma. “Eu consigo me entender, então eu sei o que o meu corpo está dizendo e consigo me alimentar de uma forma que atenda isso. Por meio dessas percepções elas escolhem tanto em questão de quantidade, como de qualidade, sem que a gente tenha que ter falado para elas o que comer”.

Mariana ainda faz questão de ressaltar que essa abordagem ajuda a trabalhar questões emocionais com a comida, pois a mera percepção de que a ansiedade faz com que se coma mais, permite que você procure outras maneiras de lidar com isso que não descontar na comida. Já quanto a atividade física, as mulheres se mostraram motivadas a se movimentar e no exame ergoespirométrico, uma prova de esforço máximo feita em esteira ergométrica ou bicicleta, provaram uma melhora considerável em seu condicionamento físico.

“As mulheres do grupo intervenção relataram ganhos de qualidade de vida, se sentiram mais dispostas, com menos dores, elas viram que podiam testar o seu corpo. No começo algumas achavam que pelo seu peso nunca conseguiriam fazer determinada atividade, mas viram que é possível”, destaca a nutricionista.

No último levantamento divulgado pelo IBGE, em 2015, o índice de Obesidade ou Sobrepeso beirava os 60% no país, ou seja, cerca de 82 milhões de pessoas apresentaram o Índice de Massa Corporal superior a 25 e esse número só tende a crescer, sendo que, de 2012 a 2013, a procura por nutricionistas aumentou 32,5%, segundo levantamento dos planos e seguros de saúde associados à FenaSaúde. Mariana explica essa aparente contraditoriedade:

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“Essa forma de atender sem dieta é um discurso que interessa bastante, mas quando a gente vai ver na prática clínica, os profissionais se voltam para a dieta restritiva. Tem alguns casos, muito específicos, em que a dieta é importante, mas no caso da obesidade, o que a gente vê é que nunca se falou tanto em dieta e nunca houve um aumento tão grande no número de obesos, então, alguma coisa não está dando muito certo.”

A pesquisadora ainda relatou que, por mais que muitas das mulheres com quem trabalhou mantenham expectativas de perda de peso, elas poderão buscá-la a longo prazo por meio de uma efetiva mudança comportamental, fazendo da alimentação saudável algo sustentável, o que é de longe mais efetivo do que entregar uma folhinha com prescrições que não possam ser levadas adiante.

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