Artigo aponta novas perspectivas da alimentação saudável

Estudos em saúde pública têm mostrado que para entender o processo da alimentação e suas relações com sustentabilidade é preciso ir além dos valores nutricionais

Mais importante que os valores nutricionais é o processo de produção dos alimentos, aponta estudos. Foto: Felix Brönnimann

Desde as Revoluções Verdes entre as décadas de 1950 e 1970, a produção agrícola adquiriu um volume inédito. Em conjunto com este fenômeno, a globalização criou redes de industrialização e comércio que conferiram aos alimentos o caráter de commodities. Neste contexto, construiu-se o conceito de que a análise dos valores nutricionais seriam suficientes para formar uma dieta saudável. Esse paradigma tem sido questionado para dar lugar a uma abordagem que leve em consideração desde o cultivo dos alimentos até o meio onde são consumidos.

O artigo Alimentação e Sustentabilidade, da revista Estudos Avançados número 89, do IEA-USP, mostra um panorama histórico da indústria alimentícia e os desafios de se alinhar seus modos de produção com diretrizes de sustentabilidade. Segundo artigo, “Monteiro [e outros autores] (2015) apresentam um novo paradigma sobre alimentação saudável, orientado pela classificação de alimentos que considera a extensão e o propósito do processamento industrial a que foram submetidos os alimentos antes de sua aquisição e consumo pelos indivíduos.”

O texto classifica os alimentos em quatro grupos: in natura ou minimamente processados, que podem ser consumidos logo após a coleta ou passam por um tratamento superficial, para aumentar sua duração e facilitar o preparo. Os ingredientes culinários extraídos da natureza, como açúcar, óleo e sal formam o segundo grupo, enquanto o terceiro grupo é formado por aqueles produzidos essencialmente pela adição de sal, óleo e açúcar aos alimentos in natura, como, por exemplo, queijos e carnes salgadas. Por último, têm-se os ultraprocessados, que contêm pouco ou nenhum alimento inteiro e contam com ingredientes sintéticos para dar cor, sabor e textura.

Produção de alimentos é suficiente para alimentar toda a população, diz pesquisadora. Foto: Ryan McGuire

O professor Carlos Monteiro, a quem o artigo faz referência, coordenou a elaboração do Guia Alimentar para a População Brasileira, em conjunto com o Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde da USP. O documento, do Ministério da Saúde, se baseia, justamente, na classificação dos alimentos de a acordo com os métodos de fabricação, em detrimento da pirâmide nutricional. Esta perspectiva é considerada revolucionária e foi reconhecida internacionalmente. Como atesta a reportagem The Brazilian Guide to Weight Loss, do periódico The Atlantic, de janeiro de 2016, a proposta do Guia é basicamente evitar alimentos ultraprocessados, priorizar os alimentos da própria terra e não ser negligente nas refeições.

Estas orientações, apesar de simples, podem não ser tão fáceis de serem efetivadas. Como explica a professora da Faculdade de Saúde Pública da USP, Helena Ribeiro, co-autora do artigo “o sistema alimentar está muito ocidentalizado, baseado nessas indústrias muito poderosas de produção de alimentos ultraprocessados.” No entanto, segundo a pesquisadora, existem movimentos que defendem o retorno de alguns hábitos alimentares tradicionais, em relação a ter refeições à mesa, junto com a família e à agricultura orgânica. “Essa espécie de ‘contra-cultura’ tem se fortalecido. Ela ainda é restrita a uma classe-média mais alta, a alguns centros urbanos, porém eu vejo que tem ganhado capilaridade. Por diversas razões, uma pela próprio discurso nutricional que vem recomendando outro padrão nutricional, por conta da obesidade, que tem crescido bastante.”

Quando questionada sobre os motivos correntes da fome no mundo, Ribeiro argumenta: “Todo esse discurso da industrialização agrícola, de que a terra precisava produzir alimentos para população crescente, o uso assíduo de agrotóxicos, de produtos químicos, era para produzir alimentos. Por isso, entre as décadas de 50 e 70, houve um aumento da produção. Hoje em dia, não existe o problema da fome por falta de alimentos, tem-se o problema de pessoas que não podem comprar o alimento.”

Para a professora, poderia se lidar melhor com a questão da sustentabilidade e da alimentação a partir das propostas do professor Monteiro. “Essa Revolução Verde causou um impacto ambiental muito grande. Para mecanizar a terra, utilizar todos esse insumos, acaba-se baseando em grandes propriedades.” Ainda segundo Ribeiro, “estas propriedades ficam distantes das cidades, são áreas monocultoras. E consome-se muita energia para processar, armazenar e distribuir tanta produção. Caminhões, carros frigoríficos.”

“Então, a gente defende uma agricultura mais orgânica, mais próxima das cidades, porque assim tem-se uma diversidade maior de alimentos, que atende aquela população local. Não é preciso uma infraestrutura tão grande e mantém um contato maior entre a população urbana e rural”, argumenta a pesquisadora. “Com isso, pode-se prescindir de grandes indústrias, grandes estruturas de comercialização. Hoje em dia, o alimento é tratado como commodity, menos gente consome o que é do seu clima, da sua herança cultural.”

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