A pesquisadora Gracieli Tavares, em sua tese de doutorado O trabalho das babás: discutindo o care de crianças no ambiente doméstico – apresentada ao Instituto de Psicologia da USP em 2017 –, constatou, dentre outros pontos, a existência de uma baixa delimitação do papel que é exercido pelas babás. Gracieli explica que, no Brasil, a profissão transita entre a figura da empregada doméstica e a de uma cuidadora.
As babás são reconhecidas pela lei dentro das mesmas condições dos trabalhadores domésticos – que, com a Emenda Constitucional Nº72, de 2 abril de 2013, conquistaram direitos trabalhistas iguais aos demais trabalhadores urbanos e rurais. Segundo Gracieli, entretanto, a falta de especificação das funções no ambiente doméstico deixa a babá em uma posição vulnerável e pouco definida.
No dia a dia, podem acabar sendo solicitadas tarefas que não estão necessariamente ligadas ao cuidado da criança por quem é responsável. “Não tem muito um limite do que pedir à babá”, diz Gracieli. Às vezes, ela tem que passear com o cachorro da família ou ajudar no serviço doméstico, por exemplo. “Até onde ela precisa ir e até onde não? Quem faz cada tarefa?”. Segundo a pesquisadora, essas são pequenas dúvidas do cotidiano do trabalho que impactam a relação dela com os empregadores e com os outros funcionários da casa.
A babá é uma profissional do care, ou seja, do cuidado. É ela quem acompanha de perto as necessidades relacionadas a saúde, alimentação, entretenimento, aprendizagem, entre outras. Para Gracieli, cuidar de uma criança é um trabalho ainda pouco valorizado que necessita de formação mais direcionada e específica. Por mais que a maioria das babás faça cursos – mesmo que depois de contratadas –, eles são muito diferentes uns dos outros, variando desde a carga horária até o conteúdo.
Problemas nas relações trabalhistas ocorrem, e a pesquisadora aponta a necessidade de maior proteção legal de direitos para as babás. Uma situação recorrente, por exemplo, é os pais do menor chegarem a qualquer horário na residência. Independentemente de ganharem hora extra ou não – nem sempre todas elas recebem –, é problemático porque as profissionais precisam aguardar e não podem ir embora. Outra questão são as férias: “Trinta dias é muito tempo para ficarmos sem babá” é uma frase dita por muitos empregadores que violam direitos trabalhistas já conquistados.
O gênero e a desvalorização
Gracieli defende que haja uma maior valorização do trabalho das babás pelo estabelecimento de um lugar profissional específico para elas. Entretanto, reconhece que a conquista de direitos por trabalhadores domésticos já foi uma luta bastante difícil e importante. Segundo a pesquisadora, para alcançar novos direitos, é preciso um grupo grande e forte. Por esse motivo, as babás talvez não conseguissem sozinhas, pois não possuem sindicatos próprios. Na capital paulista, por exemplo, elas fazem parte do Sindicato das Empregadas e Trabalhadores Domésticos da Grande São Paulo.
Parte de um contexto maior, a desvalorização do trabalho das babás está relacionada à própria desvalorização do trabalho doméstico e, também, a questões de gênero existentes na sociedade. De acordo com o estudo O Emprego Doméstico no Brasil, realizado em agosto de 2013 pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudo Socioeconômicos (Dieese), em 2011, estimava-se que 6,6 milhões de pessoas estavam ocupadas em serviços domésticos – uma das maiores categorias de trabalhadores do país –, sendo que, desse total, as mulheres correspondiam a 92,6% (6,1 milhões).
Além disso, a escolaridade baixa é uma característica do trabalhador doméstico. Segundo o mesmo estudo do Dieese, 48,9% dos trabalhadores dessa área não haviam concluído o ensino fundamental. No caso das babás, porém, o perfil pode ser mais variado, havendo estudantes que optam pela função a fim de conciliar o trabalho com a vida escolar.
A desvalorização está relacionada à visão machista da sociedade que considera os trabalhos domésticos como naturalmente femininos. De acordo com Gracieli, é a ideia de que não seria preciso pagar bem a uma empregada doméstica, ou a uma babá, porque esses serviços seriam feitos de graça primordialmente por mulheres – o que levanta a discussão do papel social da mulher na sociedade.
Não apenas a baixa remuneração, mas também a concepção de que cursos profissionalizantes não se fazem necessários, explicitam essa desvalorização. No caso das babás, a pesquisadora explica que há a crença de que já ter tido um filho, automaticamente, capacitaria uma mulher a cuidar de outra criança. “O que não é verdade: quando se tem um filho, ele é tanto do homem quanto da mulher” diz. “Qualquer um deveria, então, saber cuidar de criança.”
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