Programa Nuclear Brasileiro ficou aquém de seus objetivos desenvolvimentistas

É a conclusão de pesquisa da FFLCH, que analisou o período de 1975 a 1978 e a instalação da usina de Angra I

Usina nuclear Angra 1 (ao fundo) e Angra 2 (à frente) no Rio de Janeiro. Foto: Reprodução/pt.wikipedia.org

Por Marcos Hermanson Pomar – marcoshpomar@gmail

Eram meados da década de 70 quando o governo militar, sob o comando de Ernesto Geisel, decidiu pela construção da primeira usina nuclear do Brasil em Angra dos Reis, Rio de Janeiro. Colocado em prática como um dos notáveis projetos do desenvolvimentismo brasileiro, o programa nuclear brasileiro foi marcado por falhas e pela não convergência de interesses dos muitos atores envolvidos.

A pesquisadora Alexandra Ozório de Almeida, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), que dedicou sua tese de doutorado ao estudo da primeira fase prática do Programa Nuclear Brasileiro (73-78), defende que a complexidade dos planos levou cientistas, empresários e governo militar a divergir quanto à sua implementação, minando as grandes ambições que envolviam o projeto em sua gênese. Ela nos conta que já na década de 50 o Brasil fazia planos para a adoção da energia nuclear na matriz energética mas que pela instabilidade política e econômica eles só saíram do papel durante a ditadura. “Perto da década de 50, o oficial Álvaro Alberto, da Marinha brasileira, escreve o primeiro plano de desenvolvimento nuclear, o que leva à criação do Conselho Nacional de Pesquisas (CNPq)”, explica. “Mais adiante, o governo Kubitschek cria o Conselho Nacional de Energia Atômica (CNEN), cuja função era coordenar as pesquisas em energia atômica e os planos de instalação de uma possível usina”.

Importante nestas primeiras décadas de ambições nucleares, os diplomatas brasileiros recusaram a assinatura do Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP), alegando que ele impediria o pleno desenvolvimento do país e que era injusto, pois não advogava pelo desarmamento das grandes potências. “O Brasil, que compôs a primeira comissão da ONU a respeito da energia atômica, combinou o argumento militar com o econômico, ao mesmo tempo defendendo o desenvolvimento soberano do país e o direito de defender-se de ameaças externas”. Ainda que a recusa tenha ocorrido sob esses pretextos, Alexandra não vê indícios de que os militares tivessem pretensões armamentistas para seu projeto: “Ao menos inicialmente, o que a pesquisa mostrou foi que o principal viés do país era apenas o progresso econômico. O que denota o entendimento do estado forte, condutor da economia nacional”.

No começo da década de 70 e em meio aos planos de construção de nossa primeira usina nuclear, o CNEN seria praticamente substituído pela Nuclebrás, empresa estatal responsável pela instalação de Angra I. Essa foi a primeira causa dos atritos entre a comunidade científica e os militares: “Ainda que a CNEN tenha mantido algumas de suas prerrogativas, como supervisionar a instalação da usina, o sentimento dos cientistas foi de que, depois de décadas de preparativos, tivessem sido jogados de escanteio”, explica a pesquisadora. “Também é importante lembrar que a classe empresarial, cujo papel seria principalmente o de formar toda uma cadeia produtiva (alvenaria, siderurgia, máquinas pesadas) em torno do Programa, não ficou satisfeita com as perspectivas de lucro e com a concorrência estatal, materializada pelas muitas subsidiárias da Nuclebrás. Além disso, lhe faltava a experiência necessária para cumprir a tarefa”.

Quando questionada se o Programa Nuclear Brasileiro cumpriu sua meta de fomentar e estabelecer as bases do desenvolvimento brasileiro Alexandra responde que “os resultados finais ficaram muito aquém do objetivo, houve desperdício de dinheiro, atrasos, grandes falhas e o governo não conseguiu movimentar todas as engrenagens necessárias para a expansão da energia nuclear, o desenvolvimento da tecnologia necessária e o envolvimento da iniciativa privada”. Em contraste, a pesquisadora sugere uma ponderação: “Isso não significa, no entanto, que não tivemos ganhos. Podemos dizer que houve desenvolvimento tecnológico, ainda que limitado, capacitação de mão de obra e aquisição de algum know-how”.

Por fim, ela destaca algumas das causas principais do alcance limitado do projeto: “Primeiro, a oscilação econômica dos anos 70 e 80, que acabou por fragilizar todo o corpo da iniciativa a medida em que os investimentos acompanhavam as variações.  Além disso, podemos destacar a carência de um planejamento mais cuidadoso, que levasse em conta a complexidade do projeto e os interesses da comunidade científica, dos empresários e da burocracia”, diz. “E, por fim, a opinião pública, que depois de um período de forte apoio, acabou levada ao outro extremo pelos acidentes de Three Mile Island, nos Estados Unidos e Chernobyl, na União Soviética”.

 

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