
A mitocôndria é, provavelmente, a organela celular mais conhecida por todos. A assimilação vem das aulas de biologia, de paródias e da lembrança de que esse “pedacinho” da célula é o responsável pela transformação da energia celular. A tese de doutorado de Vitor Ramos – Estudo mostra como mitocôndrias regulam a autofagia via sinalização de cálcio (2024) –, realizada no Instituto de Química (IQ) da Universidade de São Paulo (USP), analisa o transporte de íons (átomo ou molécula eletricamente carregado) de cálcio como uma das funcionalidades regulatórias das mitocôndrias.
Orientada pela professora Alicia Kowaltowski e publicada pela FASEB Journal, a pesquisa partiu da correlação entre dois processos fundamentais na regulação do metabolismo energético: a captação e a liberação de íons de cálcio pela mitocôndria e a autofagia (processo pelo qual a célula degrada e reaproveita partes de sua própria estrutura) induzida por restrição de nutrientes. O estudo rendeu a Ramos a classificação como finalista do Prêmio Jovem Talento em Ciências da Vida, promovido pela Sociedade Brasileira de Bioquímica e Biologia Molecular (SBBq).
Existem duas importantes proteínas mitocondriais que movem os íons de cálcio: o complexo uniporter mitocondrial de cálcio (MCU), que promove a captação do cálcio para a mitocôndria, e o trocador mitocondrial Na+/Li+/Ca2+ (NCLX), que move os íons da matriz mitocondrial para espaço entre as membranas interna e externa. Com a análise de ambas as proteínas, eles descobriram que a NCLX é a reguladora central de diferentes processos metabolicamente relevantes, como a autofagia.
“É um trabalho de ciência básica mecânica. Tem muitos discursos que defendem que a ciência tem que ser aplicada, mas você nunca vai descobrir mecanismos novos e alvos novos para doenças se você não fizer o que o Vitor fez: ir lá e olhar a nível molecular o que está acontecendo em termos de ciência básica. Então, considero a ciência [básica] a mais importante que existe”, afirma Kowaltowski.
O que é a proteína NCLX?
Apesar da identidade da proteína NCLX ter sido descoberta em 2010, os estudos a seu respeito ainda são recentes. Para estudá-la, os pesquisadores executaram experimentos in vivo – com camundongos – e in vitro – com células de fígado em cultura – que induziram a autofagia. Além de ser o processo de degradação e reciclagem do meio celular, a autofagia auxilia na manutenção da homeostase celular e “alimenta” a célula em situações de baixo fornecimento de nutrientes.
O cálcio é um mineral abundante no corpo humano e essencial para o funcionamento de diferentes processos celulares, como o metabolismo, a contração muscular e a transmissão de impulsos nos nervos. Íons de cálcio são sinalizadores metabólicos mitocondriais e desempenham um papel importante na regulação da autofagia. “A mitocôndria é muito central nisso [nos estudos sobre o corpo humano], porque ela se adapta diretamente e ela ajuda outras partes da célula a se adaptarem também”, declara Vitor Ramos.
A descoberta conecta ainda mais as mitocôndrias ao papel de sensores metabólicos das células. Em situações de escassez energética, como na restrição calórica, a expressão da NCLX aumenta, favorecendo a liberação de cálcio e a ativação da autofagia. Ao entender esses mecanismos, pesquisadores podem abrir caminhos para investigações sobre como modular esses processos podem beneficiar a saúde humana, com possíveis aplicações no envelhecimento saudável e na prevenção de doenças neurodegenerativas.
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