No último dia 10 de maio, a Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin (BBM) da USP sediou a palestra Racializando os contos de Machado de Assis. Paulo Dutra, palestrante do evento, crítico literário, poeta e professor da Universidade do Novo México, abordou a importância da discussão em torno da identificação racial do escritor e da “composição racial de suas personagens”. Segundo o pesquisador, Machado de Assis e sua obra foram historicamente associados a uma elite cultural de maioria branca, o que o afastou de ser considerado um intelectual afro-descendente.
A certidão de óbito do escritor, morto aos 69 anos em 1908, declara que sua cor era “branca”. Não há registro de documentos sobre a forma como o escritor se identificava, de forma que a ascendência de Machado era um dos indícios mais concretos sobre sua raça: ele era filho de pai pardo e mãe branca. No entanto, Paulo destaca que, nas últimas décadas, estudiosos da obra machadiana têm levantado discussões tanto sobre a negritude de Machado, como sobre a postura do autor em relação a questões raciais em seus escritos. De acordo com o pesquisador, não há crítica racial direta nas obras do escritor, já que “o primeiro compromisso de Machado era sempre com o fazer literário”.
Apesar da abordagem sutil de questões raciais, obras como os contos Pai contra mãe e O caso da vara apresentam como temática central a diferença de valores atribuídos às vidas de pessoas brancas e negras pela sociedade escravista do século 19. Já no conto Noite de almirante — usado para guiar a discussão na palestra —, Machado utiliza o termo caboclinha para introduzir a personagem Genoveva. Paulo também sustenta a linha de interpretação que defende a negritude de Deolindo Venta-Grande, protagonista do conto. O palestrante afirma que, embora presente no enredo, a caracterização racial das personagens foi ocultada na análise do conto à medida que a obra machadiana sofreu um processo de embranquecimento.
Paulo ainda menciona que, para Machado, não era viável abordar questões raciais de forma explícita, já que o escritor estava inserido em uma academia literária de caráter racista e excludente. “Ele vivia a realidade de ser mulato no Brasil do século 19, e qualquer intervenção poderia ser entendida como panfletária ou redutora de seu valor literário”, afirma ao citar trecho do ensaio Quase brancos, quase pretos: representação étnico-racial no conto machadiano, de Selma Vital. O palestrante, ainda assim, reforça que as temáticas tratadas por Machado “eram a maneira de o escritor escrachar um ideal de sociedade brasileira branca, baseada em modelos europeus e que nunca existiu de fato”.
Os esforços de estudiosos na recuperação da negritude de Machado e de suas personagens fazem parte do processo de reparação histórica da imagem pública do escritor e de enaltecimento da produção cultural e intelectual de escritores negros. “Não é mais possível ler Machado de Assis deixando de lado sua constituição afro-descendente e o contexto social do século 19”, complementa Paulo.
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