Pesquisa do Cebimar utiliza coleta de DNA no ambiente para identificar organismos marinhos em novas regiões

Metodologia ainda é recente no Brasil, mas pode ter identificado cerca de 200 gêneros inéditos e 3 novas espécies no Arquipélago de Alcatrazes

Temora turbinata, crustáceo de tamanho reduzido (cerca de 0,9 mm a 1,6 mm para fêmeas e 1,3 mm a 1,5 mm para machos) que pode configurar uma nova espécie para o Arquipélago de Alcatrazes. [Imagem: Cifonauta]

Os seres vivos deixam marcas de sua presença no ambiente em que vivem a todo momento – e não são só pegadas. Traços de sangue, urina, fezes ou até saliva formam um conjunto de material genético disperso no meio ambiente chamado de DNA Ambiental. Através da coleta de amostras de água, sedimentos ou ar, pesquisadores capturam essa grande quantidade de genes e, por meio da aplicação da metodologia do DNA Ambiental, são capazes de caracterizar quais espécies estão inseridas no local de coleta de determinada amostra.

Valte Neto, pesquisador do Centro de Biologia Marinha da USP (Cebimar), desenvolveu como dissertação de mestrado uma análise de amostras coletadas no Arquipélago de Alcatrazes com foco na identificação de novas espécies. Para o biólogo, o DNA Ambiental é uma poderosa ferramenta complementar na caracterização da biodiversidade de diversos locais. “Com a visualização das amostras é possível ter uma listagem maior das espécies em determinado ambiente. No meu mestrado, que teve como base de comparação um plano de manejo do arquipélago de Alcatrazes realizado em 2017, o uso da metodologia do DNA Ambiental aumentou em cerca de 35% a 40% a quantidade de gêneros na região”, comenta Valte.

O método do DNA Ambiental

Para a coleta de amostras, o pesquisador realizou uma expedição com apoio do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) que durou dois dias em mar aberto. Ao todo, foram 25 pontos de coleta para amostras de água e 6 pontos para amostras de sedimentos, ambos recolhidos 3 vezes cada. “Coletamos um litro de água da superfície com uma garrafa esterilizada em todos os pontos. Inicialmente, iríamos pegar sedimento nos 25 pontos também, mas capturar esse material em mar profundo acaba sendo muito difícil, então a gente deu um foco maior para a água”, conta.

Estação de filtragem das amostras de água coletadas. O processo foi realizado no barco em alto mar. [Imagem: Acervo pessoal/Leo Francini]
Com as amostras em mãos, a água coletada é filtrada no próprio barco e os filtros utilizados nesse processo, capazes de conter a carga genética, são encaminhados para o laboratório. Os sedimentos não precisam ser filtrados e, junto com os filtros no laboratório, passam por uma extração de DNA via protocolos comerciais. “Existem kits feitos para extração de DNA vendidos normalmente. Por exemplo, para fazer a extração nos filtros, utilizamos um kit que extrai DNA de sangue. Conseguimos adaptar o uso desse kit comercial para os filtros e, no caso do sedimento, já existiam alguns kits comerciais específicos para esse material”, explica o pesquisador.

Foto da retirada de impurezas de DNA, um dos processos realizados na etapa de extração da amostra. [Imagem: Acervo pessoal/Valte Neto]
Após a extração, o DNA dos filtros e dos sedimentos é direcionado para as etapas de reação em cadeia da polimerase (PCR), uma técnica amplamente utilizada em laboratório para amplificar exponencialmente moléculas de DNA. “Com a amplificação, a gente obtém uma ‘sopa de DNA’ que precisa ser limpa das proteínas e outras moléculas que não são o nosso foco. O que sobra depois da limpeza é encaminhado para a Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq-USP) ou para o Centro de Facilidades de Apoio à Pesquisa (Cefap-USP), onde vai ser realizado o sequenciamento.”

Finalizada a etapa de sequenciamento, os resultados são devolvidos aos pesquisadores, que utilizam algoritmos computacionais para comparar a sequência gerada com milhões de sequências armazenadas em banco de dados de DNA e, assim, podem identificar o que é o DNA presente nas amostras coletadas.

Metodologia com resultados

Segundo Valte, os resultados da pesquisa são concretos e o pesquisador espera que, após a correção de sua dissertação e publicação oficial, o processo de registro das espécies catalogadas em seu estudo seja iniciado. “O DNA Ambiental está engatinhando, estamos trabalhando bem no início dessa ferramenta aqui no Brasil. Durante a pesquisa, minha orientadora chegou a entrar em contato com pessoas de fora do Brasil para entender as etapas. Então, apesar de termos resultados significativos, eles ainda precisam de muita lapidação”, completa.

A conclusão da pesquisa leva a crer na descoberta de três novas espécies exóticas que não estão descritas no plano de manejo de 2017: a Ophiactis savignyi (estrela-do-mar), a Temora turbinata (crustáceo) e a Megabalanus coccopoma (craca). Quanto aos possíveis novos gêneros, entre a grande diversidade contida nos mais de 200, destacam-se o Prochilodus e Lobotes (peixe), Ectopleura (hidrozoário), Creseis (gastrópode) e Dragmacidon (esponja).

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