Foi aprovada em sessão plenária na Câmara Municipal de São Paulo, no dia 12 de dezembro de 2023, o texto substitutivo que prevê a revisão da Lei de Zoneamento da cidade. A lei consiste na delimitação de construções por áreas na cidade, levando em consideração diferentes parâmetros, estabelecidos de acordo com as particularidades de cada região. Apesar da grande influência que essas decisões têm no cotidiano da população, a discussão teve pouca participação popular e pecou na organização de audiências com distritos e subprefeituras de forma efetiva.
É o que dizem pesquisadores do Laboratório Espaço Público e Direito à Cidade (LabCidade), da FAUUSP, que em conjunto com movimentos sociais e de moradia atuantes na capital paulista, reivindicam um diálogo mais transparente e que atenda as demandas da população no que diz respeito à construção civil em São Paulo. Em entrevista, a pesquisadora e professora Paula Santoro afirma que se vive um momento de revisão acelerada, com pouca ou nenhuma participação do povo. “A pressão que existiu contribuiu para que a aprovação tanto do Plano Diretor como da Lei de Zoneamento virasse um diálogo apenas com o mercado”, diz. Ela se refere a revisão também do Plano Diretor Estratégico (PDE), sancionada pelo Prefeito Ricardo Nunes, em julho deste ano. O novo PDE pareceu ignorar questões urgentes da cidade como infraestrutura de transportes, falta de saneamento em grande parte dos bairros de periferia, moradias irregulares e taxa de ocupação imobiliária baixa, enquanto se observa grande contingente populacional em situação de rua.
Aumento das ZEUs
A questão da verticalização já configurava uma pauta de difícil elaboração na implementação do PDE anterior, no ano de 2014. Na época, o planejamento visava o aumento da instalação de linhas de transporte de alta e média capacidade. Os eixos de estruturação urbana, onde se observou esse incremento nas linhas de transporte, foram em regiões valorizadas da cidade, como Tatuapé, Anália Franco, na Zona Leste, e Santana e Tucuruvi, na Zona Norte. A partir daí, uma verticalização que se observava de forma dispersa no interior dos bairros, passou a ocupar esses eixos de forma massiva, com a construção, principalmente, de grandes empreendimentos imobiliários.
Apesar de considerar que, por esse motivo, o PDE de 2014 foi implementado, esperava-se que esse aumento do potencial construtivo fomentasse a construção de moradias populares, para atenuar a questão da habitação para os mais pobres, o que não aconteceu. A verticalização se relaciona com as atuais revisões, tanto do PDE, quanto da Lei de Zoneamento, devido às propostas de aumento das Zonas de Estruturação Urbanas (ZEUs), que definem qual será o aumento do potencial construtivo ao redor dos eixos de transporte (trem e metrô, corredores de ônibus).
Por esse motivo, Paula Santoro considera que essa verticalização nunca foi acompanhada de pautas de interesse social, reivindicadas por movimentos populares e pelo próprio LabCidade. Para a pesquisadora, esse processo se traduziu, majoritariamente, em grandes empreendimentos com habitações de valores altos, que inclusive alteraram de forma drástica o custo de vida da região. “Houve um adensamento construtivo, mas não um adensamento populacional”, explica ela. É o que se observa em bairros como o Butantã e o Brooklin, nos quais há um crescimento anormal de condomínios dos chamados studios, microapartamentos vendidos a preços exorbitantes.
Ela ainda acrescenta que a verticalização excessiva nessas áreas desconsidera fatores relevantes como o potencial de alagamento daquele território. O Brooklin, por exemplo, tem ocorrências de alagamentos, especialmente nas áreas dos entornos da estação de metrô da linha 5 Lilás, onde há grande circulação de pessoas. Se propõe um adensamento construtivo em um tecido urbano que não suporta maior impermeabilização, ocasionando situações como essa. “Quando os apartamentos já estiverem ocupados, vão provavelmente pedir que o mercado, que o Estado resolva os desafios ambientais envolvidos, o que não será possível”, explica.
Mobilização e participação popular
Não são apenas as parcelas mais pobres da população da cidade que são afetadas pela maior verticalização proposta pela nova Lei de Zoneamento. Parte da classe média observa suas casas e bairros serem engolidos por empreendimentos de grandes construtoras e, como consequência, o apagamento da memória de toda uma região. Por esse motivo, observa-se uma grande articulação entre diferentes grupos para tentar aumentar o diálogo com o poder público e barrar propostas que podem desapropriar e demolir construções que representam a identidade histórica de diversos bairros.
É o caso da Mobilização Estação Saracura/Vai-Vai, que defende a preservação do Quilombo do Saracura e preservação do sítio arqueológico na Linha 6 do Metrô, no Bixiga. A preservação do espaço está ligada a uma luta histórica contra a despossessão de territórios ocupados pela população negra da cidade. Quando o primeiro loteamento foi construído, o quilombo foi apagado.
Segundo a leitura dos pesquisadores do LabCidade, as discussões descentralizadas, levadas para os bairros, especialmente os mais afastados, não surtem efeitos no que é debatido na Câmara e por outros representantes do poder público. Ao todo, foram 47 audiências públicas anteriores à aprovação da revisão da Lei de Zoneamento, que aconteceram de forma desordenada e virtual, excluindo a possibilidade de participação de grande parte da população. “A gente não vê nada que é discutido nos bairros ser incorporado nas decisões”, relata Paula Santoro.
O documento inicial, que explicava a proposta, tem 58 páginas, nas quais as resoluções estão dispostas em termos técnicos e desordenados. A pesquisadora acredita que esse formato torna inacessível a discussão e que representa uma “falsa transparência” do que está em jogo. O papel da universidade pública e dos laboratórios de pesquisa se encaixam nesse contexto, na medida em que podem construir essa ponte entre a população e os assuntos de seu interesse na elaboração do planejamento urbano. “A gente tem também procurado dialogar com a mídia, reconstruir narrativas que, por vezes, acham que os debates são apenas dos conservadores, mostrando que não, que a luta é composta por diferentes grupos sociais interessados na configuração da cidade”, diz Santoro.
Faça um comentário