Os metais são uma classe de substâncias conhecidas por serem bons condutores térmicos e elétricos, possuírem alta maleabilidade e brilho característico. Alguns deles são encontrados em grande quantidade na natureza, como cobre e ferro; já outros podem ser tóxicos para os seres humanos, como o chumbo e cádmio. Existe uma característica, entretanto, pouco conhecida desses compostos: sua capacidade de compor moléculas e se transformar em potentes fármacos: os metalofármacos.
Metais no dia a dia
Os metalofármacos não são invenção da atualidade. Há séculos já se usava metais com finalidades farmacológicas. João Honorato, professor do Instituto de Química (IQ) da USP, explica que os egípcios, por exemplo, guardavam alimentos em tachos de cobre com a finalidade de prevenir que os mesmos estragassem.
Atualmente, substâncias metálicas estão presentes em inúmeros materiais, como desodorantes com prata (Ag) e alumínio (Al) na composição, fármacos com ouro (Au), como a auranofina, utilizada para tratamento da artrose, e próteses dentárias com prata ao longo do polímero para evitar o crescimento de placas bacterianas.
Além disso, alguns metais são amplamente encontrados no corpo humano: ferro (Fe), responsável pelo transporte de oxigênio das hemoglobinas, cobalto (Co), presente na vitamina B12 e que atua no sistema nervoso, o zinco (Zn) e o cobre (Cb), ambos responsáveis por retirar o CO2 das células para fora do corpo.
De acordo com Honorato, existe um preconceito da sociedade quando se trata de metais em contato com humanos. “A maioria das pessoas pensam em metais como aqueles tóxicos ou pesados. Existem os metais tóxicos, como o mercúrio, arsênio, cádmio e chumbo, por exemplo, que em pequenas quantidades podem trazer complicações. Além desses, existem outras substâncias não tão tóxicas que podem ser usadas para criação de novas moléculas.”
A cisplatina
Na década de 1960, Barnett Rosenberg, físico norte-americano, descobriu aleatoriamente, por meio de um experimento, que a platina (Pt) conseguia inibir a divisão celular.
Na época, o câncer de testículo era uma “doença órfã” – denominação dada para problemas de saúde cujo tratamento é inviável pelo fato de não haver medicamentos conhecidos, capazes de combater a doença. De acordo com Honorato, a taxa de morte desse carcinoma era de 90%. Depois que a cisplatina foi implementada no tratamento para alguns tipos de câncer, após sua aprovação pela agência federal dos Estados Unidos responsável pelo controle da saúde pública do país, a Food and Drug Administration (FDA), o cenário mudou: atualmente, a taxa de cura é de 90%, e os 10% que não se recuperam, segundo o professor, são diagnosticados tardiamente. “Hoje, ela está presente – e a literatura varia nos dados – entre 20% e 40% de todos os tratamentos quimioterápicos.”
Países como o Japão e os Estados Unidos também utilizam outros medicamentos, análogos à droga, para tratamento de tumores. “Esses análogos da cisplatina são produzidos através da troca dos compostos vizinhos ao metal – que permanece igual – em busca de modular a atividade antitumoral e os efeitos colaterais”, explica Honorato.
Mecanismo de ação
A cisplatina, quando entra no organismo, é capaz de atravessar a membrana plasmática de duas formas: através de canais de proteínas anexos à estrutura da membrana ou por meio de difusão passiva – já que seu tamanho reduzido permite que o metal penetre a parede das células. Quando a cisplatina está fora da célula, as duas moléculas de cloro (Cl) presentes em sua composição permanecem ligadas à sua estrutura. Quando o metal adentra a célula, esse cloro se solta, e o medicamento se liga às moléculas de água.
Depois de liberar a molécula de água, a cisplatina é capaz de se conectar diretamente às guaninas do DNA. “Ao se ligar nas guaninas, o medicamento inibe a atividade da proteína GMP, responsável por checar a integridade do DNA”, explica o professor. Assim, se a cisplatina estiver conectada ao material genético quando a proteína realizar a checagem, sua ação é invalidada. A GMP sinaliza para a célula que o DNA está danificado, e o DNA decide morrer, o que gera a atividade antitumoral.
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