Programa comunitário direciona orçamento à população para reformar bairros da Cidade do México

Pesquisa analisa política pública implementada pelo governo mexicano que conquistou reconhecimento internacional e se tornou referência na discussão do direito à cidade

Cidade do México (Imagem: Wikimedia Commons)

Segundo o mapa da desigualdade da cidade de São Paulo, um morador de um bairro nobre vive, em média, até 21 anos a mais do que um residente de um bairro pobre. Em 2020, um estudo publicado pela revista The Lancet mostrou que, no caso da Cidade do México, essa diferença na expectativa de vida é de aproximadamente 11 anos. Foi nesse contexto de desigualdade que surgiu o Programa Comunitário de Melhoria de Bairros da Cidade do México (PCMB), uma política pública popular e eficiente.

“Esse programa foi muito inovador, porque ele surgiu a partir de uma demanda da sociedade civil e foi desenhado de forma completamente participativa. Os projetos de melhoria eram elaborados pela comunidade, aprovados em uma assembleia comunitária, e, após aprovação de um conselho com agentes comunitários e do governo, o dinheiro era auto-administrado pelas comunidades”, conta Kelly Komatsu Agopyan, doutora em Relações Internacionais pela USP.

Graduada em relações internacionais na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Kelly produziu seu mestrado e doutorado na USP, onde atualmente realiza seu pós-doutorado no Instituto de Estudos Avançados (IEA-USP). O interesse da pesquisadora pelo tema surgiu durante seu período de atuação (2014-2016) como assessora para assuntos internacionais na Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania da Prefeitura de São Paulo.

A partir do PCMB como objeto de pesquisa, Kelly desenvolveu sua tese de doutorado intitulada Direito à cidade e políticas públicas: um estudo de caso sobre o Programa Comunitário de Melhoria de Bairros da Cidade do México, no Instituto de Relações Internacionais (IRI) da USP. O trabalho foi orientado pela professora Janina Onuki e publicado em 2023.

O projeto inicial de Kelly era buscar referências na América Latina para traçar alguma comparação com projetos que já existiam na cidade de São Paulo, mas a amplitude do programa a surpreendeu. “Percebi que tratava-se de um programa tão rico que era incomparável com qualquer política pública que eu conhecesse em nível local”, conta.

Nascido em 2007, o PCMB foi estudado sob diversos recortes e um dos objetivos da pesquisadora era analisar o programa a longo prazo, compreendendo as variáveis que foram se alterando ao longo dos anos e das mudanças de governo. Mesmo com algumas transformações no programa que alteraram os mecanismos de participação popular, ele segue sendo referência internacional no que diz respeito ao direito à cidade.

O direito à cidade

Segundo a pesquisadora, esse conceito foi criado na década de 1960 pelo filósofo francês Henri Lefebvre, no contexto de mobilização de movimentos sociais em Paris. “Ele fazia essa crítica de que o proletariado estava sendo expulso da cidade, não resistindo ao alto custo para se viver em Paris. É uma crítica a essa nova lógica de produção da cidade baseada no capital, perdendo a noção de coletividade e convivência”. 

A ideia de Lefebvre era de que esse modelo de cidade fosse repensado, transformando a cidade em um ambiente renovado e coletivo. Para a autora da tese, o conceito do direito à cidade consegue reunir e potencializar a luta por demandas urbanas e sociais, como o direito à moradia, mobilidade urbana, serviços públicos de qualidade, lazer e participação social. 

Kelly conta que a discussão sobre o tema voltou à tona por volta dos anos 2010, com um artigo do geógrafo David Harvey. No Brasil, a pesquisadora vê as jornadas de junho de 2013 como um momento crucial. “Quando a gente tem a ocupação das ruas como palco de reivindicação por várias demandas sociais, com o surgimento de coletivos urbanos, acho que volta a se falar mais de direito à cidade”, afirma.

Antes das jornadas de junho, a pós-doutoranda também cita a Constituição Federal de 1988 e a aprovação do Estatuto da Cidade em 2001, que também se tornou uma referência internacional no campo da regulamentação do direito à cidade. Para a pesquisadora, o conceito do direito à cidade e o reconhecimento internacional a programas como o PCMB são fundamentais para que a sociedade consiga batalhar para ocupar e melhorar os espaços públicos.

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