A pós-doutoranda Kelly Agopyan, do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (IEA-USP), iniciou em 2023 seu estudo na esfera das Relações Internacionais, o qual se debruça sobre políticas públicas locais e questões de gênero. Para difundir a discussão, a pesquisadora convidou autoridades, gestoras públicas, acadêmicas e ativistas para debater no seminário Políticas Públicas Locais por e para mulheres, realizado recentemente pelo Instituto, com o apoio do Circuito Urbano da agência ONU Habitat.
O doutorado da pesquisadora, publicado no ano passado, foi realizado no Instituto de Relações Internacionais (IRI-USP) e tinha como ponto focal o direito à cidade, com um estudo de caso sobre o Programa Comunitário de Melhoria de Bairros da Cidade do México. Kelly conta que decidiu dar continuidade às pesquisas no IEA porque a interdisciplinaridade da unidade traz mais liberdade para explorar os temas escolhidos. “Dentro das Relações Internacionais, o estudo das políticas públicas locais ainda é um campo novo, polêmico e, para ser sincera, subestimado. Não vou desistir de mostrar a importância dessa correlação, mas precisava de mais abertura”.
O Programa Comunitário de Melhoria de Bairros foi reconhecido internacionalmente como uma “boa prática” e recebeu diversos prêmios, principalmente os promovidos pela ONU Habitat ou Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos. Agora, no pós-doutorado, ela estuda a difusão internacional do direito à cidade e a sua materialização em políticas públicas, mas voltando-se para questões que afetam as mulheres especificamente.
A ideia também é comparar programas e ações realizados na Cidade do México com os da cidade de São Paulo: “Em relação à difusão do direito à cidade, a Cidade do México está alguns passos à frente. A Carta Magna de 2016 garante à capital o status de cidade-estado, é uma espécie de Constituição própria que garante direitos abrangentes, construída a partir de participação popular”, explica a pesquisadora.
Além da Carta Magna, Kelly também destaca o transporte público como algo que diferencia as duas cidades. A metrópole mexicana conta com uma malha metroviária complexa, com 201 quilômetros de extensão e 11 linhas, enquanto a da capital paulista possui 104 quilômetros e 6 linhas. Entretanto, algo que os dois centros urbanos têm em comum é a presença ostensiva de mulheres no papel de líderes comunitárias, à dianteira das lutas sociais de base.
Políticas Públicas por e para Mulheres
Evento ocorrido em 31 de outubro de 2023 foi etapa importante no processo de construção da tese de Kelly. O seminário híbrido, realizado em um dos auditórios da Faculdade de Economia e Administração da Universidade (FEA-USP) e cuja transmissão pode ser assistida pelo YouTube, debateu os desafios que mulheres enfrentam em cargos de gestão pública, as intersecções entre gênero e raça e o direito da mulher à cidade.
Participaram da discussão mulheres como a professora Adriana, Alves do Instituto de Geociências da USP, a pesquisadora Clara Marinho, que coordena as iniciativas Elas no Orçamento e República.org, a gestora pública Marina Barros, diretora do Instituto Alziras, a prefeita Renata Sene, do município de Francisco Morato e a secretária municipal de Desenvolvimento Econômico e Trabalho da cidade de São Paulo, Aline Cardoso.
Um dado mencionado é que, atualmente, apenas cerca de 27% dos cargos de alto escalão na Prefeitura de São Paulo são ocupados por mulheres. De acordo com a pós-doutoranda, isso é por acaso. “Urbanismo e políticas públicas não são territórios neutros. Na nossa sociedade, eles são construídos a partir de uma cultura patriarcal”. Ela usa a pensadora Joice Berth para explicar que a cidade reflete e reproduz a hierarquia social, o planejamento urbano é feito para beneficiar o “cidadão típico”, que é, por definição, homem, branco, sem deficiência e está acima da linha da pobreza.
Uma das questões mais levantadas foi que, mundialmente, os projetos feitos por e para mulheres se concentram apenas em áreas de assistência social, direitos humanos, educação, setores que lidam com o cuidar. Porém, apesar destes serem necessários, também faz falta a inclusão feminina em todos os âmbitos do planejamento: infraestrutura, mobilidade, orçamento, desenvolvimento econômico, segurança urbana, entre outros.
É aí que entra a necessidade de transversalidade nas políticas do governo, segundo as presentes. “Na maioria dos projetos que temos hoje ao longo de todo o mundo, a mulher é sempre resumida ao papel de vítima de violência”, reitera Kelly. “Pouco se fala de como, por exemplo, o público feminino é o que usa majoritariamente o transporte coletivo. Mas, após terem filhos, as mães passam a se deslocar mais a pé, para os centros de educação e saúde, e esses trajetos mais curtos não são contemplados pelo planejamento urbano.”
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