Pesquisa sobre o setor de entregas e transportes evidencia desigualdades sociais e regionais da categoria

Estudo realizado em 2023 pelo Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades da Universidade de São Paulo, traz dados sobre a Economia do Bico, nova categoria de trabalho informal

Trabalho informal em aplicativos é nova tendência de emprego. [Imagem: Reprodução/Partido dos Trabalhadores (PT)]

“A ausência de um vínculo formal de emprego fortalece a desregulamentação do sistema de proteção social para estes trabalhadores, do serviço de entregas e transportes, vistos como empreendedores, não como funcionários”, constata a pesquisa de Lucca Henrique Gustafosn Rodrigues, mestrando em economia pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP), para o Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades.

Tendência social ou reflexo das desigualdades estruturais no país, a Economia do Bico é uma modalidade de emprego que se baseia tanto na flexibilidade, como na informalidade. Os trabalhadores, principalmente os que utilizam as empresas plataformas, como a Uber ou o Ifood,  conseguem delimitar sua jornada de trabalho diária, bem como os dias trabalhados na semana.  Por isso, os rendimentos mensais oscilam, diferente do que ocorre em um emprego regulamentado. 

Nova categoria 

Em um país como o Brasil, onde a necessidade encontra a demanda, os bicos sempre foram populares entre as camadas mais pobres da sociedade, seja como complemento de renda ou matriz principal. Essa tendência aumentou em  2016, quando o setor de entregas e transportes surgiu e a crise aumentou. A pesquisa revela que a partir deste ano, um perfil regional passou a ser formado. A categoria, instituida por motoristas, entregadores e mototaxistas possui em sua maioria homens – predominantemente  negros – com diferentes níveis de letramento e ocupações sociais, que migraram do trabalho formal para o informal, ou que atuam como autônomos.

Na região Sudeste, por exemplo, encontra-se uma predominância de motoristas de aplicativos e entregadores, enquanto boa parte dos mototaxistas está concentrada no Nordeste. Atualmente, com base nos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNADc, no segundo trimestre de 2023, o Brasil possuía cerca de 1.837.244 pessoas na chamada Economia do Bico, que trabalham por conta própria.

O estudo também conta que os motoristas que trabalham como autônomos são os profissionais com maior nível de instrução em nível superior, com 12%, seguido pelos entregadores, com 5%, e 2% para os mototaxistas. Quanto a remuneração, um motorista recebe, em média, R$ 2.442 por mês, enquanto os entregadores e mototaxistas possuem rendimentos médios de R$ 1.732 e R$ 1.171, respectivamente, rendimentos abaixo da média para a categoria ocupada. Além disso, como apontado no estudo, os trabalhadores negros recebem proporcionalmente menos que profissionais brancos.

Mais flexibilidade, menos direitos

Apesar da flexibilidade e do dinamismo da profissão, a pesquisa mostra que os trabalhadores da Economia do Bico não possuem vínculos empregatícios formais com as empresas plataformas, o que delimita a estabilidade e os direitos trabalhistas assegurados há muito tempo para outras ocupações dentro da CLT, como o seguro desemprego e as férias remuneradas. 

Lucca conta que as plataformas possuem um papel contraditório atualmente: “Ao mesmo tempo que ele gera renda e permite pessoas desempregadas encontrarem uma ocupação, esta é muito precarizada, sem a garantia de direitos trabalhistas básicos”. Segundo o pesquisador, há um debate em torno da categoria, que relativiza as atividades de transporte, entregas e corridas e, assim, reproduz uma lógica de empreendedorismo a qual mascara a precarização do setor.

O pesquisador comenta que as empresas plataformas se posicionam de maneira estratégica, operando apenas como intermediadoras entre o serviço prestado e os trabalhadores, uma vez que a adesão aos aplicativos, por exemplo, é feita de maneira voluntária. Esse mutualismo provoca uma espécie de subserviência, explica Lucca. “Há uma evidente relação de dependência desses trabalhadores com respeito às plataformas, muitos relatando que há uma influência das plataformas na determinação da jornada de trabalho, além de serem elas que determinam o preço dos serviços prestados”, afirma.

Em relação às perspectivas pro futuro da categoria, o pesquisador aponta que o Governo Lula criou, recentemente, um grupo de trabalho para elaborar um projeto de lei de regulamentação do trabalho por plataformas. A expectativa é que o projeto seja enviado ao Congresso ainda esse ano. Ele acrescenta que existe uma grande variedade de organizações desses trabalhadores, como os “Entregadores Antifacistas”. Por outro lado, por ser um novo setor de trabalho, a categoria não possui organizações mais tradicionais. “Como a categoria está ainda num limbo regulatório, é difícil se organizar em instituições como os sindicatos”.

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