Pesquisadores defendem orçamento dedicado à correção das disparidades de gênero

Estudo analisa casos no Brasil e no exterior nos quais a questão de gênero foi priorizada na formulação do orçamento

Orçamento Sensível busca ir além da igualdade, mas para a correção de disparidades [Imagem/Reprodução: Pixabay]

A definição dos critérios nos quais o sistema orçamentário se embasa leva em consideração critérios macroeconômicos, como a solvência da dívida pública, que podem reproduzir ou reduzir as desigualdades estruturais. Um estudo dos pesquisadores Clara Brenck, Bernardo Campolina e Larissa Rosa, publicado em outubro deste ano pelo Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades (Made) da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária (FEA) da USP, abordou uma alternativa para a alocação de recursos orçamentários que pode contribuir para a redução das desigualdades: o orçamento focalizado, ou Orçamento Sensível a Gênero (OSG).

No Brasil, o sistema orçamentário é constituído pelo Plano Plurianual (PPA), pela Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e pela Lei Orçamentária Anual (LOA), nos quais devem constar parâmetros fiscais e econômicos, diretrizes, e gastos previstos por todo e qualquer órgão público. O Projeto da Lei Orçamentária Anual (PLOA) de 2025 está atualmente em tramitação na Câmara dos Deputados. Nele está previsto um aumento nos recursos destinados à defesa dos direitos das mulheres em relação ao ano anterior. A iniciativa é parte de um pacote de investimentos em políticas de gênero estabelecidas no Plano Plurianual 2024-2027, que destinou R$ 92,1 milhões ao Ministério das Mulheres em 2024, valor que chegará a R$ 143,7 milhões em 2025 com a aprovação do PLOA.

Importância de critérios focalizados

O foco na luta global pela redução das desigualdades dentro das políticas públicas tem como marco importante a 4ª Conferência Mundial sobre a Mulher das Nações Unidas, realizada em 1995 em Pequim, na China, na qual se começou a discutir a implementação de orçamentos focalizados em gênero. “Durante um bom tempo, o orçamento foi visto como um instrumento de direcionamento de recursos que perdeu a dimensão política. O que discutimos na pesquisa é que o orçamento e o governo devem tomar parte da questão social por meio dos gastos públicos”, disse Larissa Rosa.

Os critérios de universalidade e eficiência do orçamento acabam, por vezes, invisibilizando as desigualdades em prol de um discurso de suposto investimento igualitário. Segundo Rosa, o OSG busca ir além dessa visão: “Nós precisamos direcionar o orçamento para que seja feita a correção da desigualdade, para que ele consiga direcionar políticas para essas pessoas e não aja só de forma a equilibrar resultados, mas também para poder corrigir as disparidades”, contou a pesquisadora.

O cenário brasileiro

No estudo, foram investigados casos na África do Sul, Austrália e Equador, assim como ações em território nacional — em Recife e Belo Horizonte — que, ainda que não tenham alcançado uma efetividade concreta, foram registros importantes no avanço de políticas focalizadas. A capital pernambucana foi a pioneira no Brasil, com início no PPA de 2001-2004, com propostas de políticas públicas vindas da sociedade civil, como enfrentamento à violência contra a mulher e ações para a redução da pobreza de mulheres. Já o caso de Belo Horizonte teve início em 2017, a partir de uma recomendação do projeto Cidade 50-50, das Nações Unidas, que luta pela igualdade de gênero nas esferas de poder. Segundo o estudo, entre 2018 e 2022, foi registrado que 90% dos recursos engajados em projetos focalizados em gênero foram executados.

Apesar da aparente ampliação dos investimentos, a execução dos projetos enfrenta obstáculos, como o bloqueio de recursos e atrasos em etapas de licitação. Para Larissa Rosa, também é necessário mapear a realidade de grupos minoritários de forma clara e rigorosa, para que as políticas públicas sejam desenhadas de maneira mais direcionada. “Pesquisas econômicas como a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) e a Pesquisa de Orçamento Familiar (POF) trazem um pouco da realidade brasileira, com dados que nos permitem analisar onde que o orçamento tem chegado, o gasto em saúde, o tipo de população afetada, o gasto em educação e investimentos futuros resultados, por exemplo”, afirmou a pesquisadora.

“Em Recife foi criada uma creche itinerante para que as mães conseguissem deixar as crianças lá enquanto debatiam o orçamento. Precisamos ter pessoas negras e mulheres desenhando as questões políticas, fiscais e econômicas, não só por uma questão de representatividade, mas também porque elas vão saber os lugares afetados e onde conseguimos chegar com determinados orçamentos”, disse Rosa, que defende a participação e protagonismo dos grupos afetados no direcionamento das políticas públicas.

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