Pesquisa do CEBIMar aponta fator importante na conservação de espécies marinhas

Estudo publicado na Marine Ecology Progress Series explora dinâmica de caranguejos-ervilha, animais que vivem associados a bolachas-do-mar

Bolachas-do-mar são equinodermos da mesma classe dos ouriços-do-mar. Seu tamanho não costuma passar de 10cm, o suficiente para abrigar caranguejos-ervilha [Foto de capa: Reprodução/Fernando Druziani/Wikimedia Commons]

Apesar de pouco investigado, o sistema de metapopulações marinhas comporta-se de maneira semelhante ao comumente estudado na ecologia terrestre. Ao menos é isso o que observa a pesquisa realizada por Juliana de Andrade Souza e Augusto Alberto Valero Flores — respectivamente, mestra em ciências e docente do Centro de Biologia Marinha (CEBIMar) da USP. Publicado em outubro na Marine Ecology Progress Series, revista científica líder sobre ecologia marinha, o estudo analisa as dinâmicas populacionais dos caranguejos-ervilha, que vivem associados a bolachas-do-mar, e enfatiza a importância de compreender esse tipo de relação para auxiliar na preservação do ecossistema marinho.

“Metapopulações” é o nome que se dá às subpopulações de uma espécie que, ainda que divididas em um território e não conectadas espacialmente, ligam-se em certo grau por meio de atividades migratórias. “Há mais estudos nessa área com relação a larvas de crustáceos, de invertebrados em geral, corais e até de peixes. Pegamos os adultos dos caranguejos que estudamos, porque os adultos fazem uma movimentação entre os hospedeiros que eles vivem, tentamos focar nesse movimento e vimos que há uma dinâmica de metapopulação ali, que realmente essa movimentação conecta a população como um todo”, explica Juliana, pesquisadora formada em Ciências Biológicas pela Universidade Federal de Sergipe.

Em suma, essa espécie de caranguejo, pertencente à família Pinnotheridae, é dividida em subpopulações, cada uma delas relacionadas a uma bolacha-do-mar. As dinâmicas de migração que ocorrem quando esses pequenos caranguejos deslocam-se de uma bolacha para a outra mantém a conexão entre os grupos de crustáceos abrigados em locais distintos e também a estabilidade de suas populações.

Os caranguejos-ervilha chegam ao tamanho aproximado de 10mm. Apesar de existirem estudos que registrem a capacidade das bolachas-do-mar de comportarem de quatro a cinco caranguejos, a pesquisa realizada pelo CEBIMar encontrou bolachas com no máximo três espécimes [Imagem: Reprodução/Alvaro E. Migotto/Cifonauta]
As bolachas-do-mar são, então, consideradas manchas de habitat: na biologia, esse termo remete a fragmentos de áreas que oferecem condições adequadas à subsistência de uma população. Nesse caso, além de abrigo — afinal, os caranguejos protegem-se na parte ventral das bolachas —, os equinodermos também fornecem alimento e um local apropriado para a reprodução aos seus hóspedes. 

Movimentações migratórias dos caranguejos-ervilha, porém, fazem-se necessárias, sobretudo em períodos reprodutivos. “Observamos que os machos são muito mais ativos do que as fêmeas. Eles são os que mais migram entre bolachas e vão atrás das fêmeas, enquanto elas esperam”, conta a mestra. A disputa por espaço — cada bolacha comporta de quatro a cinco caranguejos — também é um fator que leva à migração: “percebemos que há uma competição entre fêmeas. Elas nunca ficam junto de outra fêmea, não há sororidade nesse mundo dos caranguejos. As fêmeas ficam sempre guardando aquele hospedeiro, solitárias, esperando os machos chegarem”.

Quanto mais… menor?

O estudo ainda traz à tona algo que parece contraintuitivo: o fato de uma população ter mais bolachas-do-mar com, consequentemente, mais caranguejos-ervilha, não significa que a taxa de crescimento populacional dos crustáceos será maior nela — isto é, não é porque há mais indivíduos naquele ambiente que, necessariamente, haverá mais filhotes, mas o contrário. “Quando a população é muito grande, com muitas bolachas ocupadas por caranguejos, a ponto de estar sobrecarregada, os machos e as fêmeas começam a competir por espaço, porque não tem recurso alimentar e nem abrigo o suficiente”, disserta. Tal competição faz com que a taxa de reprodução das fêmeas caia.

Por outro lado, populações um pouco menores podem levar a uma compensação pela escassez de machos, de modo que as fêmeas procriam mais, visando a continuidade da espécie. A conectividade, capacidade dos indivíduos de uma população de interagirem entre as manchas de habitat, pode ajudar essas populações pequenas com a manutenção da reprodução — daí sua grande importância na conservação de espécies marinhas (inclusive as com maior importância econômica).

O artigo Abundance and active patch selection modulate reproductive connectivity and fitness of pea crabs living on sand dollars, de Juliana de Andrade Souza e Augusto Alberto Valero Flores, pode ser lido na íntegra no site da revista Marine Ecology Progress Series.

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