Presença de diferentes identidades nacionais nos territórios da Rússia e Ucrânia agrava o conflito entre os Estados

A partir de uma análise detalhada, livro publicado pelo Laboratório de Estudos da Ásia explica a multionacionalidade, um ponto importante para compreender o atual confronto

Atual divisão territorial entre Rússia e Ucrânia - Imagem: Reprodução/CNN Portugal

No dia 24 de fevereiro de 2022, a Rússia deu início a uma operação militar especial no território ucraniano. Por mais que o conflito tenha sido retratado pela mídia hegemônica ocidental como um ataque russo unilateral, a obra One War: Essays about the Russo-Ukrainian conflict from a global perspective, lançada em setembro deste ano, evidencia que o embate entre as nações possui raízes muito mais complexas. 

O livro foi elaborado por três professores da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da Universidade de São Paulo (USP): Angelo Segrillo, Daniel Aarão Reis e Vicente Ferrari que, juntos, compõem o Laboratório de Estudos da Ásia (LEA). Segrillo, coordenador do grupo, em entrevista para a Agência Universitária de Notícias (AUN), afirma que o trabalho, organizado em ensaios, procura abordar os dois lados do conflito, com o objetivo de ir além da perspectiva ocidental. “Uma peculiaridade do nosso livro é que todos nós, autores, já estivemos na Rússia e na Ucrânia. Então, temos uma visão mostrando muitos pontos de vista diferentes, com pesquisa no local e nas línguas originais”, conta.

Angelo Segrillo, professor do Departamento de História da USP e coordenador do Laboratório de Estudos da Ásia – Imagem: Reprodução/Wikipédia

Um fator apontado pela obra como um dos mais importantes para compreender a complexidade do embate é a multinacionalidade dos Estados da Rússia e da Ucrânia. Nesses países, a nacionalidade não é determinada pelo local de nascimento, mas pelas origens étnicas da família do indivíduo. Isso significa que existem pessoas de nacionalidade russa nascidas na Ucrânia, e pessoas de nacionalidade ucraniana nascidas na Rússia, característica que intensificou o “potencial conflitivo” da região, aponta Segrillo. 

Diferentes nações dentro de um Estado 

Vladimir Putin, atual presidente da Rússia, legitima a operação realizada pelo país exatamente por meio deste contexto, segundo ele, em uma tentativa de defender e proteger a nação russa que não habita no território da Rússia. Essa narrativa de Putin é, inclusive, analisada no livro e mostra também suas contradições. Outros conflitos anteriores, como a deposição do ex-presidente da Ucrânia, de nacionalidade russa, Víktor Yanukóvych em 2014, mostram o impacto das diferenças de nacionalidade no confronto atual. Como aponta o livro, a maioria dos cidadãos de nacionalidade ucraniana apoiaram a derrubada do ex-presidente, enquanto os de nacionalidade russa não consideram o impeachment democrático ou legítimo — divergências políticas que agravam o atrito na região. 

A insurgência contra Yanukóvych “dividiu o país”, pontua Segrillo. No entanto, no livro, ele também pondera que essas adversidades geradas pela multinacionalidade dos dois Estados não explicam o conflito por si só. A expansão da Otan, organização militar composta, principalmente, pelos Estados Unidos e pelos países europeus — criada no período da Guerra Fria para desestabilizar a União Soviética — é vista por Putin como uma ameaça à nação russa. 

Outros diversos aspectos do contexto histórico do confronto são analisados no decorrer dos ensaios, como a questão do neonazismo na Ucrânia, os impactos do conflito no contexto internacional e os desafios para a paz.

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