Por Ana Mércia Brandão, Camilla Almeida, Julia R. Magalhães, Laura Pereira Lima e Lorena Corona
Muitos internautas buscam respostas sobre possíveis diagnósticos nas mídias digitais, sem antes realizar uma consulta médica. Em 2020, um estudo feito pela consultoria Kronberg e pela Decode mostrou um aumento nas pesquisas sobre transtornos mentais na internet. De acordo com o levantamento, a busca por “Quiz: Teste de ansiedade” cresceu em 750%, enquanto “Quiz: Você tem depressão?”, em 200%.
O perigo dessa prática surge quando o usuário começa a se automedicar sem prescrição, por acreditar que possui determinada condição psíquica. Segundo um levantamento realizado em 2022 pelo Datafolha e pelo Conselho Federal de Farmácia (CFF), 77% dos brasileiros utilizam remédios por conta própria.
A moda dos transtornos psiquiátricos na internet
Ainda sobre a pesquisa do CFF com o Datafolha, as pessoas entre 16 e 24 anos são 52,7% dos interessados que buscam por diagnósticos na internet. De acordo com a neuropsicóloga Camilla Monti, da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP de Ribeirão Preto (FFCLRP), desde que o Google facilitou o acesso à informação, o autodiagnóstico começou a aparecer. Transtornos como ansiedade, depressão, autismo e Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) vem repercutindo cada vez mais nas redes sociais, que costumam ser utilizadas por jovens na faixa etária da pesquisa.
Esse foi o caso da Jenny Perossi, jovem universitária que se autodiagnosticou com depressão aos 17 anos. “Comecei a me identificar com esses sintomas que apareciam na internet. Mas só depois que fui buscar esse diagnóstico certo com um psicólogo”. Jenny ainda conta que os sintomas da depressão apareciam com bastante frequência nas suas mídias digitais; ela descobriu seu diagnóstico simplesmente ao frequentar a internet. Camilla afirma que isso acontece porque “tivemos um ‘boom’ com essa questão das redes sociais – o YouTube, Tik Tok, Instagram – que só aumentaram a proporção disso [do autodiagnóstico]”.
Para a psicóloga, alguns transtornos vêm sendo tratados como moda, por exemplo, o TDAH e o autismo. “As pessoas acham fácil justificar algumas falhas, justificar algumas dificuldades, como se não fossem culpa delas, mas culpa de um transtorno”, destaca. Características normais do ser humano, como distração e lentidão, são tratadas como argumentos para se autodiagnosticar com condições psicológicas, o que pode banalizar essas doenças.
A banalização das doenças mentais
A maior visibilidade da saúde mental na internet foi fundamental para desestigmatizar as doenças e conscientizar o público, mas também contribuiu para a banalização desses transtornos, como explica a psicanalista Patrícia De Luca: “O que temos notado é o aparecimento de opiniões de pessoas leigas despreparadas para as discussões que estão sendo feitas, vozes que são ampliadas pelas mídias sociais”.
Com base nessas opiniões da internet, um número expressivo de jovens têm se diagnosticado com doenças psíquicas, mas os dados não acompanham essa tendência. Apesar da onda recente de pessoas que se autodiagnosticaram com TDAH, por exemplo, o transtorno tem baixa incidência: o número de casos varia entre 5% e 8% da população mundial. O Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC), outro alvo das redes sociais, também é pouco expressivo: acomete menos de 2% da população.
A falta de conhecimento sobre doenças psíquicas leva a associações perigosas: No mundo das redes sociais, distração é classificada como TDAH, oscilações no humor, como bipolaridade e organização, como TOC. Essa normalização das doenças tem consequências graves para quem de fato as possui. Segundo Camilla, se a maioria das pessoas se identifica com um transtorno, ele vira uma coisa banal, que dispensa tratamento.
O desejo pelo diagnóstico
Enquanto a maioria dos jovens reagiria com horror a um diagnóstico de câncer, a descoberta de uma doença psíquica parece um evento cotidiano — e, em certo grau, desejado. Patrícia explica que essa busca pelo diagnóstico reflete um desejo de pertencimento: “É uma tentativa do sujeito de se encaixar em algo exterior a ele, capaz de descrevê-lo”. A doença mental age como um rótulo que simplifica a subjetividade do jovem, segundo a psicanalista.
Além disso, o diagnóstico oferece uma justificativa para o sofrimento e para as falhas do indivíduo: “Ao se encaixar em uma condição psíquica, o sujeito acaba por definir seus comportamentos com base em uma lista padrão de sintomas, dessubjetivando suas ações e escolhas”, explica. As dificuldades passam a ser simplificadas e atribuídas somente ao transtorno, retirando a culpa da pessoa.
Complexidade dos diagnósticos
O psicodiagnóstico é um complexo processo que não envolve só uma rápida ida a consultas terapêuticas, mas, sim, uma malha de procedimentos que abrangem diferentes profissionais. “Dentro da psicologia, podemos realizar entrevistas clínicas e um estudo do caso, muito semelhante ao que um médico faria. Também existe a possibilidade de se fazer uma avaliação neuropsicológica, que é um exame para tentar entender o funcionamento do cérebro da pessoa”, diz a psicóloga.
Mesmo com a aplicação dessas técnicas, existem certos transtornos mentais que, por se assemelharem a outros, podem ser complicados de diagnosticar. Fatores como o tempo de aparecimento das alterações de comportamento e as causas por trás dessas mudanças podem ser elementos chave na diferenciação entre casos. O processo por sua vez ocorre baseado no diagnóstico diferencial, que leva em conta a experiência clínica de cada profissional na distinção dos diagnósticos.
Esse método deve ser conduzido por um profissional altamente capacitado e que realize um acompanhamento de longa data com seu paciente. “No diagnóstico diferencial é preciso distinguir e separar os sintomas de cada transtorno, o que exige um nível de conhecimento, investimento e estudo muito alto”, explica Camilla, evidenciando os riscos nos testes de internet e vídeos que incitam o autodiagnóstico.
Os perigos do autodiagnóstico
O autodiagnóstico pela internet traz diversos riscos à saúde. Ao pesquisar sintomas em redes sociais ou em ferramentas como o Google, o usuário receberá milhares de resultados, apontando para diferentes doenças, das mais simples às mais graves. Isso, além de causar uma preocupação indevida, pode levar a um diagnóstico errôneo.
Grande parte das informações relacionadas à área da saúde disponíveis na internet são incorretas. De acordo com a Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), foi constatado que, de 1.152 vídeos sobre cardiologia veiculados no YouTube, somente 4% possuíam informações verídicas.
Utilizar o conhecimento disponível na internet, muitas vezes falso, para realizar um autodiagnóstico pode fazer com que a pessoa inicie um tratamento sem evidência científica. Por consequência, a abordagem escolhida pode não trazer resultados ou até mesmo piorar o estado de saúde do indivíduo.
Além disso, segundo Camilla, fazer um diagnóstico não é uma tarefa fácil, mesmo para profissionais da saúde. “Um bom médico vai levar algumas consultas para conseguir fechar um diagnóstico. Não é algo fácil de ser feito, por exemplo, em 20 minutos. Fazer um diagnóstico envolve muito trabalho clínico, raciocínio clínico, estudo de manual de transtornos mentais, artigos científicos, experiência clínica. Se fosse fácil assim todo mundo faria”.
Por que procurar ajuda médica?
Ainda existe um forte estigma acerca da temática da saúde mental. Por conta de crenças ultrapassadas, quando se fala em buscar ajuda médica com psicólogos ou psiquiatras, há quem não acredite nos benefícios do tratamento com estes especialistas ou quem negue aceitar que precisa de ajuda psicológica.
Jenny relata que não procurou diretamente atendimento com especialistas. “Quando você vai procurar um psiquiatra, você assume que é doido. Não doido convencionalmente, mas você assume que tem algum problema. Assumir isso, dar esse primeiro passo, é uma coisa meio estranha, porque, às vezes, o que a gente tem é a nossa cabeça. Quando você duvida dela, você se coloca numa posição bem fragilizada”, afirma.
Entretanto, a única forma de conseguir um diagnóstico preciso e dar início à terapia adequada é através de consultas médicas, como salienta Camilla. “A partir do momento em que a gente tem um diagnóstico bem feito, é possível pensar de uma maneira mais clara e mais precisa nas intervenções que aquele paciente vai precisar”.
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