Na mesma semana em que é celebrada a Parada do Orgulho LGBT+, que trouxe como pauta a reivindicação da inclusão de pessoas que fazem parte dessa comunidade nos sistemas de acesso a saúde e assistência social, a Anvisa dá um passo importante na prevenção do HIV aprovando o registro do Cabotegravir para uso como profilaxia de pré exposição (PrEP). O medicamento é uma opção injetável de longa duração para aqueles que querem adotar o método como prevenção contra o vírus e pode vir a integrar outras opções oferecidas pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
A PrEP tradicional, oferecida desde de 2017 pelo SUS, consiste no uso de dois antirretrovirais (Emtricitabina e Tenofovir) com o objetivo de mitigar o risco de infecção pelo HIV em relações sexuais desprotegidas. Há, atualmente, diferentes formas de utilização da profilaxia. As mais comuns são as opções de uso diário ou de forma intermitente (PrEP sob demanda). A novidade injetável pode ser uma boa alternativa de método adicional de prevenção para pessoas que não se adaptam ao uso de preservativos nas relações sexuais ou aos comprimidos.
Diversos estudos clínicos e demonstrativos já atestaram a segurança, eficácia e aceitabilidade da PrEP entre homens que fazem sexo com homens (HSH) em diferentes vias de administração. Atualmente, existe um conjunto bastante robusto de evidências que atestam a segurança e a efetividade do método.
O tratamento normalmente não interage com outros medicamentos de uso contínuo e a maior parte das pessoas não causam efeitos adversos. No entanto, alguns usuários podem sentir dor de cabeça e desconforto gastrointestinal nas primeiras semanas de tratamento. É preciso lembrar que seu uso é contraindicado para aqueles que já vivem com HIV ou que possuam algum comprometimento renal prévio.
Apesar de ser uma alternativa acessível e segura, dados do Ministério da Saúde revelam que pessoas em maior situação de vulnerabilidade são justamente as que têm menos acesso a essa possibilidade de prevenção. Somente neste ano o acesso à PrEP foi ampliado para adolescentes menores de 18 anos e a maioria dos usuários da profilaxia no Brasil se caracteriza por pessoas altamente escolarizadas, brancas, na faixa dos 30 a 49 anos e residentes nos grandes centros urbanos.
Lorruan Alves dos Santos, mestre e doutor pelo Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FM/USP) estuda o alcance desse método preventivo e a aceitação por parte de homens gays, bissexuais e que fazem sexo com outros homens.
De acordo com o pesquisador, a realidade do alcance à prevenção oferecida pela PrEP torna necessária a elaboração de diferentes estratégias que ampliem o conhecimento geral que a sociedade tem sobre o método e a garantia de acesso aos serviços de saúde para as pessoas que desejem adotar essa alternativa de prevenção, o que ainda é uma realidade distante. “Entre os adolescentes gays e bissexuais, por exemplo, sabe-se que algumas barreiras importantes para a adoção efetiva da PrEP incluem desconfiança na relação médico-paciente, falta de orientação e prescrição por parte dos profissionais e incertezas sobre o protocolo da profilaxia”, alerta Lorruan.
O pesquisador também buscou mapear a importância da internet e das redes sociais na disseminação do conhecimento acerca do método preventivo e no fortalecimento das relações de apoio entre aqueles que optam por essa alternativa. “Concluímos que as redes sociais de pares atuam potencializando o compartilhamento das informações sobre PrEP e ampliando, em certa medida, a democratização da cobertura do método no país”.
No entanto, Lorruan lembra que os dados colhidos também revelam noções conflitantes sobre a PrEP, como a manutenção de estereótipos vinculados à sexualidade homossexual, além da reificação de estigmas sexuais e da aids, demonstrando que ainda há um longo caminho pela frente.
Quanto ao Cabotegravir, o caminho parece um pouco mais longo. Isso porque a liberação do medicamento ainda não significa seu oferecimento de forma universal pelo SUS, como já acontece com as opções em comprimido. Devemos, portanto, ficar atentos às próximas fases desse processo, que devem incluir a consulta pública para que os cidadãos e organizações manifestem sua opinião sobre o oferecimento gratuito da opção injetável. Apesar disso, a aprovação do registro já possibilita a compra do medicamento, que deve ser aplicado a cada dois meses, no mercado privado.
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