Uma pesquisa analisou o cenário das políticas étnico-raciais na formação de obstetrizes, com apuração de opiniões de alunos e observando falhas de instituições em promover serviços adequados à população negra. Os resultados orientaram a inclusão de nova disciplina na grade curricular da graduação de Obstetrícia na Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP (EACH/USP), incentivando a ampliação do espaço de debate racializado na formação desses profissionais.
A população negra enfrenta ainda mais dificuldades no período gravídico-puerperal e tudo isso é refletido pelos índices de violência obstétrica e morbimortalidade materna. “Essas discussões nos movem para que, no nosso exercício profissional, prestando assistência à saúde, entendamos a importância de ter um olhar racializado”, explica Milena Novais, graduada em Obstetrícia pela USP Leste.
Pesquisa aponta preocupação de discentes
A coleta de dados on-line para a elaboração da pesquisa contou não só com alunos, mas também egressos, para ampliar o campo de respostas. Segundo Milena, a maioria das pessoas afirmaram considerar importante abordar as relações étnico-raciais na graduação, mas as respostas apontaram para um nível alto de desconhecimento relacionado a políticas obstétricas com abordagem racial. Isso reforça a importância de novas propostas para a formação.
Ela também explica que entre a população negra há mais prevalência de algumas patologias, como hipertensão arterial e anemia falciforme. Além disso, este público está mais suscetível a sofrer violência obstétrica, com quantidade de consultas pré-natal menor, redução do tempo de consultas e no número de exames pedidos e nas medicações necessárias prescritas. Tudo isso aponta para a questão central: prestar serviços de assistência pré-natal mais adequados à população negra.
De dentro para fora: O retorno do conhecimento para a sociedade
“As discussões que a gente produz dentro da Universidade têm o dever de ter impactos positivos para a população”, afirma Milena. A partir de seu estudo, foi incluída entre as matérias da graduação a disciplina “Relações Étnico-raciais em Saúde”, que tem contribuído para a formação de profissionais capazes de prestar assistência humanizada à saúde reprodutiva da mulher negra.
As aulas, ainda que a ementa da matéria contasse com uma base mais teórica, foram ministradas de maneira prática. Os alunos da optativa livre da EACH/USP estiveram presentes em eventos como a Caminhada Preta no Centro de São Paulo e novos temas foram agregando nas discussões na sala de aula.
“Enquanto discentes, precisamos estar ativamente participando da produção de conhecimento dentro da Universidade, pensando na nossa grade curricular e entendendo se ela de fato dialoga como o que nós entendemos como necessidade”, ela conclui.
A pesquisa abre margem para análise do cenário atual acadêmico, que deve ser colocado em discussão também. Na Escola de Comunicações e Artes da USP, onde se formam jornalistas, por exemplo, não há sistema de cotas destinada à população preta, parda e indígena (PPI), além de não terem matérias específicas para formação crítica e racial dos estudantes. E o estudo pode apontar para o caminho na transformação da produção de conhecimento nas universidades.
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