Pesquisa da USP promove reflexão sobre sexualidade e gênero nas escolas

Tese sugere um olhar crítico na abordagem de discursos sobre os temas

Raphaela buscou ir além da discussão sobre a necessidade de se falar ou não sobre o assunto nas escolas. Imagem: Pexels

De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN’s) estabelecidos pelo Ministério da Educação, a orientação sexual nas escolas pode contribuir para o bem-estar das crianças e jovens na vivência de sua sexualidade. Apesar disso, a abordagem do assunto nas escolas ainda gera muita polêmica. A pesquisa desenvolvida por Raphaela Secco Comisso buscou ir além dessa discussão e analisou os discursos sobre os temas de sexualidade e gênero nas escolas. Seu estudo questiona até que ponto as metodologias utilizadas apenas endossam as normas e regras já estabelecidas, com base em conceitos do filósofo Michel Foucault.

Para o processo de análise discursiva, Raphaela explica que participou de algumas atividades do projeto Sexualidade e Gênero da Escola de Aplicação da Faculdade de Educação da USP. Além disso, examinou os Planos Municipal de São Paulo, Estadual – também de São Paulo – e Nacional de Educação, bem como os PCN’s com ênfase no tema transversal Orientação Sexual e produções acadêmicas sobre esse tema. O objetivo da análise era entender qual abordagem esses documentos traziam e com quais conceitos trabalhavam.

Com isso, notou que dois conceitos muito utilizados por Foucault, o de verdade e o de normalidade, se destacaram na investigação e optou por focar a pesquisa neles. Raphaela explica que a concepção de verdade, para o filósofo, é artificial e prevalece a partir da exclusão de discursos considerados não verdadeiros. Assim, ela notou que o conceito apareceu sob cinco aspectos diferentes nos enunciados: técnico-científico, religioso, convenção social, autoridade e experiência, cada qual em uma parte do material coletado. Já a normalidade destacou-se de três diferentes formas: constatações de que as relações sexuais são sustentadas por divisões sexuais e de gênero, suposições de uma heterossexualidade ou de uma ideia natural dos corpos e uso dos padrões dentro da homossexualidade ou da transsexualidade.

Raphaela diz que, a partir do histórico feito de pesquisas acadêmicas sobre o tema, constatou que a maior parte delas defende muito a necessidade de falar sobre sexualidade e gênero nas escolas a qualquer custo, sem considerar as condições, os métodos e as dificuldades encontradas. Apesar de ver a relevância de se trabalhar com esses temas, ela explica que queria tornar mais complexo esse olhar sobre a abordagem. “O que tentei destacar na minha pesquisa foi o que é falado sobre esse assunto, tanto por estudantes quanto por docentes. Se esses conceitos de Foucault aparecem em todas as atividades, não é coincidência”, explica.

Sexualidade e gênero, de acordo com a mestre, há muito tempo são tidos como instâncias de verdade do sujeito. Assim, são pontos pelos quais todas as pessoas têm que passar para se tornarem inteligíveis na sociedade, se tornando, dessa forma, categorias reguladoras. Seguindo o pensamento de governamentalidade de Foucault, que sugere o governo como condutor do comportamento alheio, e partindo do princípio que os participantes das atividades debatiam com base nos conceitos de verdade e normalidade, a autora chegou a algumas conclusões.

A principal delas, entretanto, é uma reflexão sobre a forma com a qual a regulação do que é uma identidade tem sido efetiva em termos de mudança. “Talvez estejamos contribuindo para endossar o governo da população, em vez de combater os processos que criam e reafirmam as normas e as identidades”, explica.

Apesar de não trazer contribuições de origem prática, a tese traz uma consideração sobre a forma como o discurso pode impactar as maneiras de entendimento sobre essas temáticas, estimulando que os docentes reconsiderem as formas de abordagem e de produção de conhecimento sobre o assunto. “Empregamos tantas categorias para produzir conhecimento que muitas vezes não há um cuidado e um olhar crítico para essas próprias categorias. No caso do debate da discussão sobre sexualidade e gênero, não basta simplesmente afirmar a necessidade ou não de se falar a qualquer custo”.

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